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- Author, Chris Baraniuk
- Role, Serviço Mundial da BBC
O papa está observando. É melhor que isso funcione.
Este tipo de pensamento pode ter passado pela mente de Guglielmo Marconi (1874-1937) em 1932, enquanto ele instalava uma antena especial nos jardins do Vaticano, sob o olhar atento do papa Pio 11 (1857-1939).
Aquela antena fazia parte de um novo link de rádio, conectando o Vaticano à residência de verão do papa, em Castel Gandolfo, na Itália.
Mas não se tratava de um link de rádio qualquer. Era um link de micro-ondas — ondas de rádio com frequências extremamente altas.
Marconi também instalou um sistema de comunicações portátil por micro-ondas atrelado a um carro, para conectar o papa ao Vaticano, quando estivesse em viagem. Há quem afirme que aquele foi o primeiro telefone móvel, mas certamente não era nada portátil.
Treze anos antes, Marconi havia recebido o Prêmio Nobel de Física, ao lado de Karl Ferdinand Braun (1850-1918), pelas suas contribuições para a telegrafia sem fios.
A era do rádio estava a todo vapor. Mas, com as micro-ondas, Marconi passou a usar uma parte do espectro de ondas de rádio com propriedades muito especiais.
As micro-ondas podem transmitir vastas quantidades de informação. Elas podem também cozinhar alimentos ou interferir em aparelhos eletrônicos inimigos. As micro-ondas ajudam até a revelar as próprias origens do Universo.

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Pip-pip-pip
Muito antes de Marconi construir um telefone por micro-ondas para o papa, outra pessoa já havia feito experiências com frequências similares.
No final do século 19, um brilhante cientista indiano chamado Jagadish Chandra Bose (1858-1937) — agora, praticamente esquecido, infelizmente — desenvolveu algumas das primeiras técnicas de micro-ondas do mundo.
Marconi certamente deve a Bose parte do seu protagonismo.
Sentado em uma cabana sobre um rochedo na Terra Nova, no Canadá, ele ouviu por muitas horas um turbulento dilúvio de ruído no seu fone de ouvido, até que veio o que ele esperava: pip-pip-pip, a letra “S” em código Morse.
Freneticamente, ele passou o fone para seu colega e perguntou: “Você consegue ouvir alguma coisa?” Ele ouviu.
Foi um feito incrível. Aquelas ondas de rádio haviam viajado por mais de 3,2 mil km, do sul da Inglaterra, pelo mar aberto. Na época, seu recorde para uma transmissão de rádio a longa distância era de apenas 129 km.

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Desde então, alguns questionaram se a transmissão realmente aconteceu conforme descrito por Marconi. Mas pesquisas recentes demonstram que, teoricamente, o feito era possível, mesmo com seu equipamento primitivo.
O aparelho se chamava coesor, um simples detector de sinais de rádio. Os registros são um tanto obscuros, mas, aparentemente, o coesor de Marconi foi projetado por ninguém menos do que Bose.
“Ele criou instrumentos fascinantes”, segundo o biógrafo de Bose, Sudipto Das. Mas Bose talvez estivesse muito à frente do seu tempo.
De um lado, havia poucas aplicações úteis para as micro-ondas no início do século 20, que já não fossem atendidas por ondas de rádio de frequências mais baixas.
Bose se afastou da Física para se dedicar à sua área de maior interesse, a fisiologia vegetal. Com isso, ele “quase desapareceu no esquecimento”, segundo Das.
Pipoca de magnetrons
Mas a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) fez com que as micro-ondas voltassem a ganhar importância.
O radar permitiu aos militares detectar aeronaves inimigas, refletindo sinais de rádio. E um aparelho de micro-ondas chamado magnetron, desenvolvido no Reino Unido em 1940, acabou se tornando uma das tecnologias de radar mais poderosas e eficazes do mundo.
Sua fantástica gama e precisão, aliado ao seu compacto tamanho para instalação em aviões, ofereceu aos países aliados uma vantagem importante que os ajudou a vencer a guerra.
Foi também um magnetron emissor de micro-ondas que inspirou o engenheiro Percy Spencer (1894-1970), da empresa Raytheon, a inventar o forno de micro-ondas, em 1945.
Uma barra de amendoim que estava no seu bolso começou a derreter enquanto ele andava ao lado de magnetrons em um laboratório. E, posteriormente, um pacote de milho de pipoca começou a estourar “por todo o laboratório”, relembra uma reportagem da revista Reader’s Digest.

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Isso aconteceu porque, em certas frequências, as micro-ondas excitam moléculas no interior dos alimentos, fazendo com que elas vibrem na mesma frequência. A fricção decorrente aquece os objetos.
Para os fornos de micro-ondas, a frequência selecionada é de 2,4 GigaHertz (GHz), a mesma usada por muitos roteadores de wi-fi.
Mas é claro que os roteadores emitem seus sinais em níveis de potência muito inferiores aos fornos de micro-ondas — e é por isso que não podemos fazer pipoca apenas navegando na Web.
Selecionar a frequência correta para cozinhar é muito importante, segundo Caroline Ross, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
As micro-ondas de 2,4 GHz penetram bem nos alimentos e esta frequência também permite a absorção homogênea da radiação pelas moléculas de comida.
“Se você aumentar, digamos, dezenas de GigaHertz, a profundidade de penetração é bastante pequena”, explica ela. “Por isso, quase tudo a bloqueia, até a água no ar.”
As micro-ondas são especiais, em parte, devido a esta capacidade de interagir com a matéria, em certas frequências.
É verdade que aquecer os restos do seu jantar pode não parecer muito emocionante. Mas que tal usar as micro-ondas para induzir ruídos na cabeça das pessoas?
Síndrome de Havana
Militares que trabalharam perto de grandes instalações de radar por micro-ondas construídas durante a Segunda Guerra Mundial relembraram posteriormente que podiam sentir o radar em operação.
“Era possível ouvir a repetição do radar quando ficávamos perto da antena”, escreveu uma testemunha nos anos 1950.
O professor emérito James Lin, da Universidade de Illinois em Chicago, nos Estados Unidos, ouviu essas histórias e tentou reproduzir o efeito no seu laboratório nos anos 1970.
“Basicamente, usei a mim mesmo como cobaia”, relembra ele, ao descrever como configurou uma antena de micro-ondas e a apontou diretamente à sua cabeça.
Lin sugeriu que as micro-ondas induziram ondas de pressão para o interior da sua cabeça, que ele percebia como som. E, para evitar cozinhar seu cérebro, ele manteve os níveis de energia baixos.
“Eu conseguia ouvir o pulso”, ele conta. “Como ainda estou vivo… acho que não era muito ruim.”
Este fenômeno ficou conhecido como efeito auditivo de micro-ondas e ajuda a explicar diversas doenças misteriosas relatadas por diplomatas em todo o mundo. O caso mais famoso ocorreu na capital de Cuba, Havana.

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As vítimas da chamada Síndrome de Havana relatam ouvir estranhos sons dissonantes, aumento da pressão nos ouvidos, tontura, náuseas e perda de memória.
Estaria um inimigo dirigindo um feixe de micro-ondas para aquelas pessoas?
De fato, existem armas de micro-ondas, mas aquelas discutidas em público tendem a afetar máquinas, não as pessoas.
O exército americano possui mísseis que podem destruir circuitos eletrônicos inimigos com micro-ondas, por exemplo. As micro-ondas podem até derrubar drones.
Por outro lado, Lin desenvolveu formas de usar as micro-ondas na medicina, por exemplo, para tratar doenças musculares e irregularidades dos batimentos cardíacos.
Neste caso, ele afirma ser possível inserir no coração um minúsculo aparelho emissor de micro-ondas, por meio de um cateter, para destruir tecido cardíaco anormal. Agora amplamente utilizada, esta técnica é menos invasiva que a operação de coração aberto.
“Você simplesmente fornece um pulso com alta potência, uma micro-onda, para queimar o tecido”, explica ele.
O Universo está falando
Além de salvar vidas, as micro-ondas também ajudam a revelar as origens do Universo.
Nos anos 1960, os radioastrônomos Arno Penzias (1933-2024) e Robert Woodrow Wilson tentaram usar uma grande antena corneta como radiotelescópio, no Estado americano de Nova Jersey. Mas eles só sintonizavam um irritante assobio ou estática.
Inicialmente, eles pensavam que isso seria causado pelos excrementos de pombos na antena. Por isso, eles espantaram as aves e limparam a sujeira.
Mas a culpa não era dos pombos. Penzias e Wilson estavam ouvindo o som do próprio Universo.
“É um retrato de tempos remotos”, segundo Sean McGee, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Penzias e Wilson haviam descoberto o que chamamos hoje de radiação cósmica de fundo em micro-ondas, uma assinatura deixada pelo Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo, cerca de 13,8 bilhões de anos atrás.
Este trabalho rendeu a Penzias e Wilson metade do Prêmio Nobel de Física de 1978, que foi dividido com Pyotr Leonidovich Kapitsa (1894-1984), por suas invenções básicas e descobertas na área da Física de baixas temperaturas.

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A radiação residual detectada por Penzias e Wilson está presente em todo o cosmos e é responsável por uma pequena parte da estática das telas de TV analógica.
Em outras palavras, até o surgimento das TVs de LED, as pessoas sintonizavam restos do Big Bang na sua sala de estar.
Os satélites ajudaram os astrônomos a mapear as micro-ondas cósmicas de fundo. Suas flutuações são registradas como leves diferenças de temperatura.
“Somos todos o resultado de flutuações quânticas dos primórdios do Universo, que semearam as galáxias”, explica McGee.
Atualmente, as pessoas usam micro-ondas para todas as ligações telefônicas internacionais conectadas via satélite. Este, sem dúvida, é um grande salto em relação ao equipamento montado em um carro por Marconi para o papa Pio 11, nos anos 1930.
É bastante pertinente que as pessoas façam uso das micro-ondas para conversar entre si no seu dia a dia. Afinal, é assim que o Universo conversa conosco, ajudando a confirmar nossa compreensão da maior história de todos os tempos: a de como tudo começou.
Esta reportagem foi criada em coprodução entre a instituição Nobel Prize Outreach e a BBC.