Foto: REUTERS/Nathan Howard
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A Suprema Corte ouviu na quarta-feira (05) os argumentos orais sobre a legalidade das amplas tarifas do “Dia da Libertação” do presidente Donald Trump, com ministros demonstrando certo ceticismo quanto à capacidade de Trump de impor as altas taxas — potencialmente abrindo caminho para uma decisão histórica que pode desmontar a política econômica mais emblemática do governo Trump e gerar impactos de milhões de dólares para empresas e países estrangeiros.
O presidente americano impôs tarifas sobre importações do Canadá, México e China após assumir o cargo, antes de expandi-las em abril ao anuncia-las no “Dia da Libertação” sobre a maior parte das importações de quase todos os países estrangeiros. Elas entraram totalmente em vigor em agosto, após o governo adiar as mais severas pouco depois do anúncio inicial, que sacudiu o mercado financeiro.
Países como China, Brasil e Índia ainda enfrentaram taxações adicionais que ultrapassam a casa dos 50%. No caso brasileiro, o governo americano incluiu uma longa lista de isenções — o que tem reduzido o impacto da medida na economia local.
Mesmo diante de críticas generalizadas de economistas de que as elas prejudicariam a economia e aumentariam preços ao consumidor, o governo tem mantido as tarifas como peça central de sua política econômica, arrecadando aproximadamente US$ 195 bilhões (R$ 1.053 trilhão) no ano fiscal de 2025, encerrado em 30 de setembro.
Pequenas empresas argumentam que os custos adicionais das taxas ameaçam sua sobrevivência, e moveram ações judiciais logo após o anúncio inicial em abril. Os processos chegaram à Suprema Corte depois que o Tribunal de Comércio Internacional e a Corte de Apelações Federal decidiram contra o governo, e os ministros anunciaram em setembro que fariam a decisão final sobre o destino das tarifas.
Processo
Os ministros ouviram argumentos em dois processos que contestam Trump, incluindo tanto as tarifas do “Dia da Libertação”, impostas pelo presidente sobre praticamente todos os países estrangeiros, quanto tarifas separadas impostas sobre importações do Canadá, México e China devido ao tráfico de fentanil.
Trump tem aplicado sobretaxas amplas sob o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), uma lei que concede aos presidentes poderes amplos para impor sanções econômicas durante emergências nacionais.
As pequenas empresas e os estados liderados por democratas que movem os processos argumentam que Trump não pode impor suas tarifas com base no IEEPA, alegando que a lei não autoriza a imposição de tarifas e que não existe uma emergência nacional que justifique a medida, mesmo que a lei permitisse.
A Suprema Corte agora decidirá se elas podem continuar, após duas instâncias inferiores decidirem contra Trump e afirmarem que o presidente não tem autoridade sob o IEEPA para impor as tarifas.
Alguns ministros de perfil conservador expressaram forte ceticismo quanto às taxas e à capacidade de Trump de aplicá-las com base no IEEPA, embora também tenham questionado argumentos contrários às tarifas — e ainda não está claro como a Corte irá decidir.
O caso tem implicações enormes para empresas, que poderão receber reembolsos do que já foi pago caso as tarifas do IEEPA sejam derrubadas, além de obter ao menos um alívio temporário nas importações. Também tem grande impacto para o governo Trump, que tem caracterizado o caso como uma ameaça existencial à economia dos Estados Unidos.
Não está claro quando a decisão final sobre a legalidade das tarifas será divulgada. A Suprema Corte normalmente leva pelo menos alguns meses para deliberar sobre casos após as audiências, mas a rapidez com que os ministros aceitaram julgar a disputa tarifária levantou especulações de que a decisão pode sair mais rápido nesta ocasião. Um veredicto será divulgado até junho de 2026, quando termina o mandato atual da Corte.
O que os ministros disseram sobre as tarifas de Trump?
Vários ministros conservadores considerados votos decisivos no caso fizeram perguntas incisivas ao governo. O presidente da Corte, John Roberts, questionou a alegação do governo de que o caso não envolve a chamada “doutrina das questões principais” — uma teoria jurídica usada amplamente para limitar os poderes do Executivo — e também contestou o argumento da administração Trump de que tarifas não são um imposto, lembrando que elas têm sido usadas para arrecadar receita e reduzir o déficit federal.
A ministra Amy Coney Barrett questionou de forma incisiva o procurador-geral D. John Sauer sobre se a redação do IEEPA que o governo alega permitir tarifas aparece em alguma outra lei, e sugeriu considerar exagerada a amplitude das tarifas impostas a quase todos os países. “Quero dizer, eu consigo ver isso com alguns países, mas me explique por que tantos países precisaram ser sujeitos às [tarifas] como foram”, disse ela a Sauer.
O ministro Neil Gorsuch também fez perguntas céticas, questionando Sauer sobre qual seria o limite caso a Corte concorde com o argumento de que o presidente pode impor tarifas porque elas estão ligadas à política externa — área em que os presidentes têm autoridade ampla. Gorsuch perguntou se isso poderia chegar ao ponto de permitir que o presidente declarasse guerra sem aprovação do Congresso. Ele também sugeriu que, uma vez que o Congresso autorize o presidente a contorná-lo ao permitir tarifas amplas sob o IEEPA, seria difícil recuperar esse poder futuramente — alertando para “um movimento irreversível rumo à acumulação gradual e contínua de poder no Executivo e longe dos representantes eleitos pelo povo”.
Muitos desses mesmos ministros conservadores também demonstraram ceticismo sobre os argumentos, tornando difícil prever o resultado final. Roberts disse a Neil Katyal, advogado que representa pequenas empresas, que não pode “descartar” que as sobretaxas desempenham um papel na política externa, como argumenta o governo. Gorsuch sugeriu que a linguagem do IEEPA afirmando que o presidente pode “regular” importações é um termo amplo que pode incluir tarifas, e ele e Barrett discutiram se a permissão para controlar “licenciamento” de importações equivaleria à imposição de tarifas.
O ministro Brett Kavanaugh questionou a posição do governo, mas também sinalizou reservas fortes sobre os argumentos contrários, afirmando a Katyal que o caso dos autores “seria mais forte” se o presidente Richard Nixon não tivesse imposto tarifas de 10% no passado, criando um precedente histórico para Trump. Kavanaugh também questionou por que o IEEPA permitiria ao presidente tomar medidas tão amplas quanto interromper totalmente o comércio com um país, mas não autorizar uma tarifa de 1% sobre importações, dizendo que isso “não parece… fazer muito sentido”.
O que diz o governo Trump?
Trump e seus assessores emitiram alertas severos sobre a possibilidade de a Suprema Corte derrubar as tarifas do IEEPA. “Acho que nosso país será prejudicado imensuravelmente”, disse Trump ao programa “60 Minutes” quando questionado sobre a possibilidade de a Corte invalidar o processo. “Acho que nossa economia vai para o inferno.”
O presidente desistiu da ideia anterior de comparecer pessoalmente à audiência, destacando a importância do caso para sua principal política econômica, embora o secretário do Tesouro, Scott Bessent, ainda deva comparecer à Suprema Corte. “Estou lá para enfatizar que isso é uma emergência econômica”, disse Bessent à Fox News na terça-feira. “Segurança nacional é segurança econômica. Segurança econômica é segurança nacional. Como secretário do Tesouro dos Estados Unidos, sou responsável por manter ambas.”
O que acontece se as elas forem derrubadas?
Espera-se amplamente que o governo Trump tente impor novas tarifas com base em outras leis caso as tarifas do IEEPA sejam invalidadas, com Bessent dizendo à Reuters que empresas e governos estrangeiros “devem assumir que [as tarifas] continuarão”. Outras leis concedem aos presidentes autoridade mais explícita para impor tarifas — já usada por Trump para setores como automóveis e aço — mas trazem mais restrições ou exigem mais tempo para serem aplicadas.
Isso torna incerto o tempo necessário para substituir as tarifas do IEEPA e se alguns setores hoje afetados poderiam ser poupados futuramente, como certos bens de consumo. Se a Suprema Corte decidir que as tarifas são inválidas porque Trump nunca teve autoridade para impô-las, empresas que já pagaram tarifas deverão ter direito a reembolso, embora especialistas em comércio tenham dito à Forbes que ainda não está claro como esse processo funcionaria.