Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Belém
Mas, a poucos metros da imponente entrada do pavilhão onde as negociações sobre o futuro do clima no planeta serão travadas nos próximos dias, um vai e vem de caminhões-tanque a qualquer hora do dia e da noite mostra que acabar com essa dependência pode ser mais complexo do que se imagina.
É a queima desse combustível fóssil, 24 horas por dia, que vai garantir, entre outras coisas, o funcionamento de enormes aparelhos de ar condicionado que mantém a temperatura em níveis confortáveis para chefes de Estado, negociadores, ativistas, cientistas e lobistas. Enquanto isso, do lado de fora, as temperaturas nesta época do ano em Belém superam os 30ºC.
O uso do diesel vai na contramão do edital para a contratação dos geradores, obtido pela BBC News Brasil, que previa a priorização de equipamentos movidos a combustíveis renováveis, de preferência do tipo B100, que é 100% renovável.
Apesar disso, a organização do evento firmou um acordo com a Petrobras prevendo o fornecimento de um tipo de óleo diesel com, no máximo, 25% de conteúdo renovável.
Ambientalistas e representantes do setor de biocombustíveis apontam que realizar uma conferência do clima das Nações Unidas movida a diesel chama atenção pelo simbolismo do evento.
Procurada, a organização da COP30 disse em nota que, apesar de o edital para a contratação dos geradores prever o uso de biodiesel 100% renovável, a opção pelo óleo diesel “se deu por motivos de viabilidade logística, segurança operacional e ampla disponibilidade na Amazônia, além da compatibilidade com todos os equipamentos contratados”.
Em nota, a Petrobras disse que o diesel fornecido para a COP30 é parte de um lote produzido especialmente para a conferência que contém 10% de conteúdo renovável (além da adição obrigatória de 15% de biodiesel) e que ele “propicia a redução de emissão de gases do efeito estufa de 60% a 85% na parcela renovável”.
A BBC News Brasil indagou se o produto pode ou não ser considerado um biocombustível e por que a Petrobras não forneceu o combustível 100% renovável, mas a companhia não respondeu a essas perguntas.
Ronco dos motores

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
O pavilhão da Zona Azul da COP30, onde políticos, diplomatas e ativistas participarão das negociações climáticas, tem aproximadamente 160 mil metros quadrados, o equivalente a 16 campos de futebol.
Parte desta estrutura está montada sob uma enorme lona branca em uma área onde antes funcionava um estacionamento.
O intenso funcionamento dos geradores e dos aparelhos de ar condicionado cria um ruído constante que pode ser ouvido de praticamente todos os pontos do pavilhão, inclusive nas salas de reunião onde os negociadores estarão.
A utilização de diesel para abastecer a Zona Azul da COP30 chama atenção porque, em tese, não há falta de energia renovável no Estado. O Pará reúne duas das cinco maiores usinas hidrelétricas do Brasil: Belo Monte e Tucuruí.
O Estado é conectado ao sistema nacional interligado, que faz com que ele possa receber ou fornecer eletricidade para ou do restante do país. Mas a magnitude de uma COP, no entanto, foi o principal motivo alegado pela concessionária de energia do Estado, a Equatorial Energia, para a contratação dos geradores.
“Essa medida é indicada devido ao aumento expressivo, temporário e concentrado de carga na região onde ocorre o evento”, disse a empresa em nota enviada à BBC News Brasil.
Em outro trecho, a empresa explica que montar uma estrutura para fornecer a quantidade de energia que a COP30 necessita poderia aumentar o custo das tarifas dos demais consumidores.
“Caso as distribuidoras realizassem investimentos permanentes para atender a essa demanda temporária, haveria impacto tarifário aos consumidores”.
O contrato realizado pela organização da COP30 para o fornecimento de energia elétrica para o evento foi firmado em setembro, por meio de uma licitação.
O valor estimado do contrato era de aproximadamente R$ 51 milhões, mas a empresa vencedora da licitação ofereceu um preço de R$ 38 milhões. Ele previa a instalação de 160 geradores de energia a diesel capazes de produzir 80 megawatts.
Os geradores foram instalados em diversos pontos do lado de fora da tenda e são eles os responsáveis por manter funcionando quase toda a infraestrutura elétrica da COP30, incluindo tomadas, servidores de computador, internet e grandes aparelhos de ar condicionado.
Alguns desses geradores são do tamanho de carros populares. Do lado de fora, eles alimentam os aparelhos de ar condicionado que sopram ar frio para dentro da mega-tenda por meio de dezenas de dutos.
Ideal versus mundo real

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
A escolha do diesel e não de um biocombustível para mover os geradores da COP30 reflete, em alguma medida, a dificuldade que o mundo apresenta para fazer a chamada transição para longe dos combustíveis fósseis.
Se por um lado o Brasil chega à COP30 celebrando que, em 2024, registrou a menor taxa de desmatamento na Amazônia desde 2017, por outro, o país vem sendo criticado por tentar ampliar as suas fontes de exploração de petróleo em regiões sensíveis como o bioma amazônico ou na bacia sedimentar da Foz do Amazonas.
Em 2023, durante a COP28, em Dubai, a pressão de movimentos sociais e cientistas fez com que, pela primeira vez, a conferência colocasse em seus documentos finais a necessidade de o mundo realizar uma transição para longe dos combustíveis fósseis.
Apesar disso, não houve o estabelecimento de um plano ou prazo para isso. Países produtores de petróleo e empresas vinculada ao setor exercem pressão na direção contrária.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), em 2021, 80% da energia produzida no mundo vinha da queima de combustíveis fósseis.
No Brasil, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a matriz energética (que inclui todos os tipos de energia e não apenas a elétrica) é composta de 50% de fontes renováveis e 50% baseadas na queima de combustíveis fósseis. Já na matriz elétrica, a participação de renováveis é de 88%.
No Brasil, a queima de combustíveis fósseis para a produção de energia é a terceira maior fonte de emissão de gases do efeito estufa, segundo estimativas divulgadas pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), elaborado pela organização não-governamental Observatório do Clima. A principal causa de emissões no Brasil é o desmatamento, e a segunda é a atividade agropecuária.
No caso brasileiro, a opção pelo diesel durante a COP30 não acontece por falta de opções mais sustentáveis. Em abril de 2024, por exemplo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) autorizou testes com o biodiesel B100 puro.
Este é, aliás, o combustível citado no edital da organização da COP30 que previa a contratação dos geradores. Segundo o documento obtido pela BBC News Brasil, a preferência era para que os equipamentos fossem abastecidos com biodiesel, “especialmente biodiesel B100, por pelo menos 30 dias, de forma ininterrupta”.
Em agosto, uma comitiva de parlamentares da Frente Parlamentar do Biodiesel anunciou ter enviado uma proposta à organização da COP30 para que os geradores a serem usados no evento fossem do tipo B100.
A frente representa os interesses de associações do setor de biocombustíveis que inclui alguns gigantes do agronegócio como JBS, Cargill, e Minerva.
Isso acontece porque a maior parte dos biocombustíveis como biodiesel é fabricada a partir de óleos animais ou vegetais. Mesmo representando um dos setores mais fortes da economia brasileira, e também alvo de críticas por práticas não sustentáveis, a proposta não foi adiante.
No dia 4 de novembro, a Petrobras divulgou uma nota informando ter fechado um acordo com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), entidade que intermediou as contratações para o funcionamento da COP30, prevendo o fornecimento de diesel do tipo R10.
Em vez de ser 100% renovável, o diesel R10, segundo a própria Petrobras, tem apenas 10% de seu conteúdo composto por produtos renováveis, além dos 15% de biodiesel que, por regra da ANP, já precisaria ser adicionado ao diesel de toda forma.
A Petrobras é uma das maiores empresas de petróleo do mundo e principal produtora do combustível fóssil no Brasil.
Nos últimos meses, a empresa deu início a uma campanha publicitária promovendo a chamada transição energética “justa”.
No final de outubro, porém, a empresa recebeu do governo federal uma licença para pesquisar a existência de petróleo em um bloco localizado na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, na costa do Amapá.
À BBC News Brasil, o presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), criticou a escolha.
“É uma hipocrisia. De um lado, o governo realiza a COP30 e defende a sustentabilidade, mas na hora de escolher o combustível, acaba optando por um combustível fóssil como o óleo diesel”, diz Moreira à BBC News Brasil.
“Nós oferecemos uma opção limpa para o governo mostrar ao mundo a força do nosso biodiesel, mas a opção foi pela Petrobras e por um combustível altamente poluente. Por mais que a Petrobras diga que é um combustível verde, ela mesma admite que apenas 10% do diesel vem de fonte renovável”, complementa.
Apesar de defender o uso de combustíveis ambientalmente mais sustentáveis, o deputado também já foi presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), um das bancadas mais poderosas do Congresso Nacional e historicamente criticada por ambientalistas por sua atuação supostamente contra o meio ambiente.
Simbolismo e contradição

Crédito, Tânia Rêgo/Agência Brasil
Para Felipe Barcelos, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma organização não governamental ligada à sustentabilidade, a utilização de geradores de energia a diesel durante a COP30 não chega a surpreender, porque, em eventos deste porte, é comum serem usados.
Ele diz, por outro lado, que a organização de eventos como a COP30 deveria buscar alternativas para minimizar o uso desse tipo de fonte de energia.
“Todo evento gigantesco tem que ser pensado e dimensionado para que esse uso de fósseis não seja além do necessário. Também deve-se buscar outras alternativas menos impactantes para o meio ambiente, ainda que sempre haja algum tipo de impacto”, afirma.
“Há que se ponderar que a COP tem um papel importante de simbolismo. Poderíamos ter tido uma preocupação para mostrar que era possível realizar a COP30 usando outras fontes de energia como biocombustíveis ou outras formas de geração de eletricidade”, afirma.
No manual distribuído pela ONU às cidades que sediam a COP, há diversas recomendações para a busca de fontes renováveis de energia.
“Os países anfitriões devem dar prioridade a fontes de energia alternativas com baixo teor de carbono sempre que possível, como a energia solar para iluminação temporária, e se a utilização de geradores for inevitável, recomendam-se fontes de energia como o óleo vegetal tratado com hidrogênio”, diz um trecho do documento obtido pela BBC News Brasil.
O governo do Pará, por sua vez, vem divulgando que uma das formas de diminuir as emissões geradas pela realização da COP30 foi a implantação de um sistema de transporte coletivo que utiliza 40 ônibus 100% elétricos em vez do óleo diesel.
Além disso, diversas delegações como a da China vêm utilizando veículos híbridos ou chineses, muitos deles fabricados no Brasil, para transportar seus integrantes. Em diversos pontos próximos ao pavilhão da Zona Azul, também é possível ver patinetes elétricos.
Transição energética
A transição energética é um dos temas mais defendidos por cientistas e ambientalistas.
O termo é utilizado para indicar uma redução no consumo de combustíveis fósseis e aumentar o uso de fontes de energia renováveis.
A queima de combustíveis fósseis para a geração de energia e para o transporte é a principal fonte global dos gases de efeito estufa, segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado à ONU.
Até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que defende pesquisas sobre a existência de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, fez dois discursos durante a Cúpula do Clima, evento que antecedeu a abertura da COP30, defendendo a transição uma redução no consumo de combustíveis fósseis.
“A Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos. 75% das emissões de gases do efeito estufa têm origem na produção e no consumo de energia. Não podemos nos omitir ou intimidar diante da magnitude desse dado”, disse o presidente durante uma reunião sobre o tema na sexta-feira (7/11).
No sábado (8/11), o presidente voltou a abordar o tema e sugeriu a criação de dois fundos, um nacional e outro internacional, que deveriam ser abastecidos por recursos do lucro das grandes petroleiras e que deveria ser usado para financiar a transição energética.
Em nota, a organização da COP30 disse que o governo brasileiro tomou medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa produzidas pela COP30.
“Conforme consta na licitação, os geradores de energia utilizados para o abastecimento da COP devem estar preparados para operar com biocombustíveis. Medidas similares, focadas em redução de emissões, foram implementadas para mobilidade urbana e para os navios de cruzeiro que estão sendo utilizados na hospedagem dos participantes da COP30”, disse a nota.
A OEI esclarece que a decisão de utilizar o diesel S10, com 10% de conteúdo renovável (além dos 15% obrigatórios), nos geradores da COP30 foi tomada após avaliação técnica conjunta com o governo federal e a Petrobras.
“Embora o edital previsse preferencialmente o uso de biocombustíveis como o B100, a opção pelo S10 se deu por motivos de viabilidade logística, segurança operacional e ampla disponibilidade na Amazônia, além da compatibilidade com todos os equipamentos contratados”, diz a organização em nota.
“O combustível cedido pela Petrobras é composto por 75% de diesel mineral, 15% de biodiesel de origem de transesterificação e 10% de matéria-prima renovável co-processada em refinarias, combinação que assegura menor teor de enxofre, melhor desempenho energético e redução significativa de emissões em comparação ao diesel convencional, garantindo que os 160 geradores instalados atendam aos critérios ambientais da ANP e às metas de sustentabilidade do evento”, diz o restante da nota.
A Petrobras, por sua vez, defendeu que o uso do diesel R10 é mais sustentável que a utilização de outros produtos.
“A Petrobras produz diesel com conteúdo renovável via processamento conjunto, em unidades de hidrorrefino, de frações derivadas de petróleo (parcela mineral) com matérias-primas de origem vegetal como óleo de soja ou óleo residual de milho […] O Diesel R Petrobras propicia a redução de emissão de gases do efeito estufa de 60 a 85 % na parcela renovável, a depender da matéria-prima utilizada.”