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“Nesse momento, uma prisão domiciliar me parece muito improvável”, avalia Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio.
Moraes decidiu revogar a prisão preventiva em regime domiciliar, na qual Bolsonaro estava desde o início de agosto, a pedido da Polícia Federal (PF), após ser identificado um risco concreto e iminente de fuga.
Em nota, a defesa do ex-presidente disse que a decisão de Moraes causou “profunda perplexidade, principalmente porque, conforme demonstra a cronologia dos fatos está calcada em uma vigília de orações”.
“A Constituição de 1988, com acerto, garante o direito de reunião a todos, em especial para garantir a liberdade religiosa. Apesar de afirmar a ‘existência de gravíssimos indícios da eventual fuga’, o fato é que o ex-presidente foi preso em sua casa, com tornozeleira eletrônica e sendo vigiado pelas autoridades policiais”, disseram ser advogados.
“Além disso, o estado de saúde de Jair Bolsonaro é delicado e sua prisão pode colocar sua vida em risco. A defesa vai apresentar o recurso cabível.”
Ainda no sábado, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, falou a jornalistas que “a tornozeleira é uma narrativa que tenta justificar o injustificável”, mas não respondeu sobre a violação causada por Bolsonaro no equipamento.
A BBC News Brasil questionou a defesa de Bolsonaro sobre a tentativa do ex-presidente de violar a tornozeleira, como ele próprio admitiu à PF, mas não recebeu resposta até o momento.
A decisão de Moraes ainda será submetida ao referendo da Primeira Turma do STF, que deve realizar uma sessão virtual extraordinária na segunda-feira, das 8h às 20h.
Para o criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), agora que Bolsonaro está na Superintendência da Polícia Federal, será possível modular a possibilidade concreta do ex-presidente cumprir sua pena fora da prisão domiciliar.
“O arranjo feito na Superintendência da Polícia Federal para recebê-lo com auxílio médico vai ser uma afirmação de que é possível ele começar a cumprir pena em um estabelecimento prisional ordinário”, afirma Dieter.
‘Prisão domiciliar não era suficiente para impedir fuga’
Para Thiago Bottino, os três argumentos principais que embasam a decisão do ministro Alexandre de Moraes são os indicativos de tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica, a convocação de uma vigília nas proximidades da residência onde o ex-presidente cumpria a prisão domiciliar e as fugas de aliados para o exterior.
Em sua decisão, Moraes também cita a ida do filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os Estados Unidos. O parlamentar viajou com a família para os Estados Unidos durante o Carnaval, no fim de fevereiro, e não retornou ao Brasil.
Ele se tornou réu em uma ação no STF após ser denunciado por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de influenciar o julgamento de seu pai. O deputado nega que esta fosse sua intenção e afirma que buscava denunciar supostos abusos de Alexandre de Moraes.

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“Diante desses fatos novos, e também da iminência do trânsito em julgado, criou-se um cenário em que a prisão domiciliar talvez não fosse suficiente para impedir uma fuga”, diz o especialista, que vê “prudência” na decisão de Moraes.
“A prisão preventiva serve justamente, entre outras situações, para impedir que a pessoa fuja.”
O criminalista Maurício Dieter concorda com a avaliação. “Ramagem mostrou que precauções ordinárias para evitar risco de fuga não foram suficientes”, afirma.
“Considerando esse precedente e a violação da tornozeleira, o ministro achou prudente decretar a prisão preventiva, que é uma espécie de preâmbulo do início da execução da pena privativa de liberdade em regime fechado, à qual ele já foi condenado.”
‘Repetidos descumprimentos’
Em sua decisão, Alexandre de Moraes também lista todas as medidas decretadas durante o processo de Bolsonaro, assim como os repetidos descumprimentos.
Para Bottino, esse fator também deve ser levado em consideração. “Diante da notícia enviada pela Polícia Federal de que teria havido um novo descumprimento com a tentativa de rompimento da tornozeleira, o ministro ficou em uma situação em que não tinha outra decisão a tomar”, opina.
O Código de Processo Penal autoriza a decretação da prisão preventiva para garantir a ordem pública ou econômica, o andamento do processo ou a aplicação da lei. A preventiva também pode ser decretada em caso de descumprimento de medidas cautelares.
Em 17 de julho, antes do julgamento no STF, Moraes impôs uma série de medidas cautelares a Bolsonaro, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e proibição de usar redes sociais, direta ou indiretamente.
Entre outras coisas, Bolsonaro apareceu por meio de uma ligação de vídeo no celular do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em manifestações de apoiadores em São Paulo, e depois em um vídeo na rede social de Flávio Bolsonaro.

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A vigília e a tornozeleira
Alexandre de Moraes pontua na nova ordem de prisão de Bolsonaro que a convocação de vigília por seu filho Flávio poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.
A convocação da vigília foi interpretada como parte de uma estratégia para “prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais” e “dificultar a aplicação da lei penal” nas horas que antecedem o possível trânsito em julgado da condenação.
A decisão descreve em detalhes o vídeo publicado por Flávio Bolsonaro na rede social X, no qual ele convoca apoiadores a se deslocarem para as proximidades da residência do ex-presidente.
Conforme aponta o documento, Flávio afirmou: “Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular aí do sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com a gente”.
“Com a sua força, a força do povo, a gente vai reagir e resgatar o Brasil desse cativeiro que ele se encontra hoje”, prosseguiu.
Para Maurício Dieter, a Justiça brasileira entendeu que a vigília poderia criar “uma distração que viabilizaria a fuga”. E somada à tentativa de violação da tornozeleira, essa hipótese ficaria ainda mais forte.
De acordo com documento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAPE), o Sistema de Monitoração gerou um alerta às 00h07 deste sábado, indicando violação no dispositivo.
O relatório indica que o equipamento apresentava “sinais claros e importantes de avaria”, com marcas de queimaduras em toda sua circunferência, no local de encaixe/fechamento do case.
Questionado por policiais que foram até a residência do ex-presidente verificar o ocorrido, Bolsonaro confirmou que fez uso de ferro de solda para tentar abrir o equipamento. Em seguida, a tornozeleira foi trocada.

Aliados de Bolsonaro questionaram o uso da organização de uma vigília como argumento da decisão de Moraes. Segundo ele, haveria um suposto precedente aberto pela prisão do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre 2018 e 2019, militares acamparam por vários dias em frente à sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula ficou preso por 580 dias.
Mas para os juristas, os dois casos não são comparáveis.
Para Dieter, uma das diferenças principais é a natureza dos crimes pelos quais ambos foram acusados.
“Os casos se diferenciam principalmente porque a acusação contra o presidente Lula na época era de corrupção e lavagem de dinheiro, enquanto com Bolsonaro, parte das acusações dizem respeito propriamente ao desafio à ordem constitucional”, diz.
Segundo o criminalista, o fato de Bolsonaro ter sido condenado por um crime que tem relação com a mobilização de força política para destituir o Estado de Direito torna a convocação de uma vigília mais grave.
Bottino afirma ainda que o caso de Bolsonaro é distinto porque, além dos seguidos descumprimentos das medidas cautelares, a convocação da vigília foi seguida pela tentativa de rompimento da tornozeleira, gerando suspeitas de que poderia ocorrer uma fuga.
A saúde do ex-presidente e sua prisão domiciliar
Na sexta-feira (21/11), Alexandre de Moraes rejeitou o pedido apresentado pela defesa de Bolsonaro para que ele fique em prisão domiciliar por motivo humanitário.
Posteriormente, Moraes disse que a solicitação estava prejudicada, ou seja, inválida, após a determinação da prisão preventiva neste sábado (22/11).
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) chegou a classificar a prisão preventiva como “crueldade” e acusar o STF de querer “matar” o ex-presidente.
Mas para Thiago Bottino, a decisão de Alexandre de Moraes dá conta das preocupações com a saúde de Bolsonaro ao determinar um atendimento médico em plantão 24 horas.
Além disso, afirma o advogado, o ex-presidente não está hospitalizado ou com a saúde fragilizada a ponto de sua transferência para um outro local apresentar riscos.
Maurício Dieter diz ainda que a preocupação com a saúde de Bolsonaro demostrada na decisão é “incomum”, algo “que não acontece com presos ordinários”.
“Essa crítica desconhece como a maior parte das pessoas são presas cotidianamente, porque ninguém que é preso tem o privilégio de receber esse atendimento médico integral, com acompanhamento durante o cumprimento da prisão”, avalia.