Resumo da notícia:
Brasil implementa regulamentação que restringe privacidade em transações de criptoativos, enquanto EUA estudam propostas que preservam anonimato e descentralização.
Banco Central exige que exchanges identifiquem titulares de carteiras autocustodiais em todas as operações.
a16z defende adoção de sistemas de identidade digital nos EUA para preservar anonimato dos usuários.
O Brasil e os Estados Unidos parecem estar adotando abordagens opostas à regulamentação do mercado de criptoativos. Enquanto o Brasil segue por um caminho de controle e institucionalização, os Estados Unidos priorizam a inovação e a descentralização.
O marco regulatório anunciado pelo Banco Central (BC) na segunda-feira, 11, busca integrar os criptoativos ao sistema financeiro tradicional, estabelecendo um arcabouço legal que prioriza o controle governamental, a segurança e a rastreabilidade.
Também nesta semana, a firma de capital de risco Andreessen Horowitz (a16z) encaminhou propostas ao Departamento do Tesouro dos EUA para combater atividades ilícitas com criptoativos sem comprometer os pilares da tecnologia blockchain: inovação, descentralização e privacidade do usuário.
O documento apresenta soluções alternativas para combate a atividades criminosas, a pedido do FinCen, órgão do governo americano de combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
Ao apresentar os principais pontos da proposta em uma postagem no X, Michele Korver, especialista em regulação da a16z, afirmou que a adoção de sistemas de identidade digital descentralizada construídos com recursos de preservação da privacidade é o elemento-chave para, ao mesmo tempo, “fortalecer a segurança nacional e proteger as liberdades civis.”
O dilema entre segurança e privacidade
A regulamentação do BC adota uma diretriza oposta: restringe significativamente o direito à privacidade em transações envolvendo criptoativos, justamente sob a justificativa de combater crimes financeiros.
O documento da a16z sugere que o uso de carteiras de autocustódia e as transações peer-to-peer (P2P) devem ser isentas de obrigações de monitoramento, limitando a fiscalização apenas aos pontos de entrada e saída do sistema financeiro tradicional (conversão de fiduciário para cripto e vice-versa).
Em uma determinação que impacta um dos princípios fundamentais da tecnologia blockchain, as novas regras obrigam os Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) a identificar o titular de carteiras de autocustódia antes de realizar qualquer transferência.
Ao justificar a medida como essencial para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, em alinhamento com as recomendações 15 e 16 do GAFI (a chamada “Travel Rule”), o BCB efetivamente elimina a possibilidade de transações anônimas entre uma plataforma regulada e uma carteira individual.
Embora alinhada aos padrões internacionais, a medida representa uma limitação significativa à autonomia financeira e à privacidade do usuário.
BC “mata” stablecoins como meio de pagamento
A restrição à privacidade também é reforçada pela vinculação de todas as operações com stablecoins ao mercado de câmbio, incluindo compra, venda, transferências internacionais e até mesmo o envio desses ativos para carteiras de autocustódia. Isso cria a obrigatoriedade de reporte de todas essas transações ao Banco Central, aumentando o controle sobre o fluxo de capitais.
A Resolução BCB 521 também abre precedente para a cobrança de impostos como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre todas as transações, por menores que sejam os valores, restringindo o uso desses ativos como meio de pagamento. A aplicação de impostos será definida posteriormente pela Receita Federal.
Enquanto as regras do BC praticamente extinguem casos de uso relacionados a pagamentos, a proposta da a16z defende isenção tributária no uso de stablecoins como meio de troca.
Ainda no que diz respeito às stablecoins, o BC baniu do mercado brasileiro as stablecoins algorítmicas ou descentralizadas, cujo lastro não é garantido na proporção de 1:1 pelo ativo subjacente. Neste ponto, o regulador brasileiro está alinhado à Lei GENIUS, que, ao exigir lastro 1:1 em moeda fiduciária e reservas 100% líquidas, proíbe na prática a emissão de stablecoins algorítmicas ou não-lastreadas nos EUA.
No entanto, a a16z propõe que a lei se abstenha de regular essas stablecoins, sob a justificativa de que não há uma entidade diretamente responsável por sua emissão.
“Os fundamentos técnicos das stablecoins descentralizadas significam que elas não são emitidas por nenhuma ‘pessoa’ e são totalmente desintermediadas, proporcionando aos usuários benefícios significativos,” afirma a a16z.
a16z defende distinções entre intermediários financeiros e provedores de infraestrutura
Por fim, as normas do BC estabelecem um conjunto rigoroso de requisitos para autorização e funcionamento de Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais no Brasil que favorece grandes instituições financeiras e incumbentes.
A partir da entrada em vigor das regras em fevereiro, as empresas do setor não poderão operar sem a aprovação formal do Banco Central e sem uma sede física no Brasil. A exigência de capital mínimo entre R$ 10,8 milhões e R$ 37,2 milhões ergue uma barreira de entrada significativa a startups que já atuam no mercado e novas empresas.
Já a a16z propõe que os reguladores tratem de forma diferente os desenvolvedores de software e os provedores de infraestrutura não custodial dos intermediários financeiros, criando um ambiente mais favorável para startups e inovação.
A a16z é reconhecida por sua atuação em favor do fomento do mercado de criptoativos nos Estados Unidos. Recentemente, a firma de capital de risco pediu que os promotores dos EUA não responsabilizassem os protocolos de finanças descentralizadas (DeFi) pelos atos de seus usuários. A a16z também lançou alertas relativos a lacunas no marco regulatório das criptomoedas em discussão no Congresso dos EUA.