Nesta terça-feira, 28, durante um painel no Blockchain Conference Brasil, Flavio Correa Prado, auditor da Receita Federal, destacou que a nova regra da DeCripto é uma das maiores mudanças já vistas no monitoramento de ativos digitais no Brasil.
Desse modo, como revelado pelo regulador, a partir de 2026, todas as operações envolvendo criptomoedas, incluindo cripto para fiat, cripto para cripto, transferências, envios para wallets e pagamentos, passarão a ser reportadas obrigatoriamente ao Fisco do Brasil e compartilhadas com outros países (quando envolver usuários estrangeiros).
A mudança representa o alinhamento do Brasil ao novo padrão internacional estabelecido pelo Crypto-Asset Reporting Framework (CARF), adotado por mais de 60 jurisdições. O auditor fiscal Flavio Correa Prado, em apresentação técnica recente, detalhou como esse novo modelo funcionará e por que ele marca uma nova fase no acompanhamento do mercado de criptoativos.
A transição, segundo ele, não ocorreu de forma repentina. O processo começou em 2019, quando a Receita Federal criou a Instrução Normativa nº 1.888, documento que inaugurou um sistema de reporte ainda pioneiro no mundo. A norma estabeleceu conceitos fundamentais, determinou quem deveria informar operações e definiu quais transações precisariam ser comunicadas. Para o auditor, essa medida permitiu ao Fisco capturar o primeiro fluxo organizado de dados desse mercado.
Desde então, a Receita passou a receber informações sobre compras, vendas, trocas, remessas, recebimentos e demais operações com criptoativos, enviadas principalmente por exchanges e por contribuintes que operam diretamente, sem intermediários. Esses dados serviram para verificar se pessoas físicas e jurídicas declaravam corretamente seus rendimentos, para apoiar ações de controle aduaneiro e para reforçar mecanismos de combate à lavagem de dinheiro.
Brasileiros negociam R$ 5 bilhões em stablecoins por dia
Ao longo desses cinco anos, o volume de informações cresceu rapidamente. Hoje, as operações declaradas somam entre R$ 1 bilhão e R$ 5 bilhões por mês, refletindo milhões de transações. A Receita publica parte desses dados de forma anonimizada, permitindo que o mercado acompanhe tendências sem expor nenhum contribuinte.
Uma dessas tendências é o avanço extraordinário das stablecoins. No início do sistema, o Bitcoin dominava as declarações. Agora, segundo o auditor, as stablecoins chegam a representar até 90% das operações reportadas em determinados meses. O crescimento é tão expressivo que, em uma projeção técnica baseada nos dados abertos, o volume mensal poderia atingir cerca de US$ 9,8 bilhões até o final de 2026, caso o ritmo atual se mantenha.
Esse avanço também se explica pelo comportamento dos usuários que realizam operações fora das exchanges. As transações em stablecoins executadas diretamente por pessoas físicas e jurídicas — em wallets próprias ou plataformas estrangeiras — representam parte importante desse aumento. Apenas com os dados abertos da Receita, já é possível observar a expansão dessas movimentações.
Entretanto, o cenário mudou de forma profunda com a entrada em vigor do CARF no Brasil, em novembro de 2024. O auditor ressaltou que o acordo internacional exige que todos os países participantes adotem regras uniformes e estabeleçam mecanismos de intercâmbio automático de informações. O princípio é simples: cada país recebe dados sobre seus residentes quando eles operam em plataformas situadas em outras jurisdições também signatárias do acordo.
Com esse compromisso assumido, o Brasil precisou atualizar seu modelo. Segundo Flavio Correa Prado, a Receita não apenas revisou a IN 1.888, mas também criou um novo sistema, mais amplo, mais claro e preparado para esse ambiente global. Assim nasceu o a Decripto, nome escolhido para facilitar a comunicação com o público.
O que será reportado para a Receita Federal
No novo sistema, todas as transações seguem categorias definidas pelo CARF. A tradução segue fielmente o padrão internacional. Operações como crypto-to-fiat trade passam a ser classificadas como compra ou venda de criptoativos; crypto-to-crypto trade aparece como permuta de criptoativos; transfer torna-se entrada ou saída; e o termo Transfer Out — usado para operações enviadas a carteiras sem identificação — foi traduzido como transferência para carteira sem registro ou identificação.
Há ainda categorias específicas para transferências feitas para serviços não regulados, que exigem atenção especial. Todas essas operações representam cerca de 20% dos dados já reportados atualmente, mas agora formam a base para a estrutura completa do DECRIP.
O auditor destacou que a classificação das entradas e saídas de criptoativos se tornará mais detalhada. A exchange ou o prestador deverá informar como o ativo chegou à posse do usuário e qual foi a natureza da operação. Como muitos prestadores não conhecem o contexto econômico completo da transação, a nova norma permitirá incluir uma observação do tipo “prestador não possui todas as informações sobre a operação”. Essa opção nasceu da consulta pública feita pela Receita, que recebeu diversas sugestões do setor.
O envio das informações seguirá um padrão técnico único para garantir intercâmbio internacional e consolidação eficiente. O auditor ressaltou que haverá uma nova especificação técnica, ainda em 2025, que definirá todos os campos e o layout final do DECRIP. O alinhamento ao padrão global permitirá que empresas que já adotam o modelo em outros países utilizem praticamente a mesma estrutura no Brasil.
Decripto
Com a Decripto, segundo Flavio, as exchanges brasileiras deverão adotar o novo módulo de envio a partir de janeiro de 2026. As operações realizadas a partir de 1º de julho de 2026 devem ser reportadas até o último dia de agosto, seguindo a lógica de reporte mensal. Até 30 de junho de 2026, vale o modelo atual.
A mudança impacta tanto prestadores de serviços quanto usuários. A Receita deixa claro que o objetivo não é aumentar a carga tributária, mas garantir transparência, padronização e intercâmbio internacional, cumprindo compromissos assumidos pelo Brasil e reduzindo riscos de inconsistência entre plataformas nacionais e estrangeiras.
Para Flavio Correa Prado, a modernização aproxima o Brasil dos países mais avançados nesse tema. Ele ressaltou que, ao cumprir o CARF, o país demonstra maturidade regulatória e capacidade técnica para acompanhar um mercado que evolui rapidamente. Além disso, o novo modelo ajuda a reduzir a assimetria de informações entre administrações tributárias, reforçando mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro e ampliando a confiabilidade dos dados.
O auditor também lembrou que as informações enviadas à Receita continuarão sendo protegidas, não sendo divulgadas individualmente. Os dados usados em relatórios públicos seguirão anonimizados, garantindo que as informações pessoais permaneçam resguardadas.