O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou à Polícia Federal que investigue suspeitas de desvios de emendas enviadas a quatro cidades, incluindo Arari (MA) e Zabelê (PB), onde, como mostrou o GLOBO, os recursos desaparecem nas contas das prefeituras. Na decisão, o magistrado aponta que os fatos noticiados “configuram indícios de possíveis crimes”.
A emenda de Arari foi enviada pelo líder do União Brasil na Câmaara, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA). Em nota, o parlamentar afirmou ter cumprido sua atribuição ao enviar os recursos para o município, mas que a execução da verba cabe à prefeitura, “que deve aplicá-los conforme as regras estabelecidas”. “Meu compromisso é assegurar investimentos que melhorem a vida da população, tragam benefícios concretos às comunidades e fortaleçam o desenvolvimento de Arari”, diz Pedro Lucas. Já a emenda de Zabelê foi enviada pela ex-deputada Edna Henrique (Republicanos-PB), que não retornou aos contatos.
No despacho que pede a abertura da investigação, assinado neste domingo (23), Dino afirma que a reportagem do GLOBO descreve “indícios de desvios na aplicação de recursos de emendas parlamentares nos municípios de Arari (MA) e Zabelê (PB)” e determina que a Polícia Federal “adote as providências cabíveis no âmbito de sua competência, promovendo a juntada em inquéritos já instaurados ou procedendo à abertura de novos, se for o caso”.
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Em outubro deste ano, O GLOBO viajou até Arari, cidade maranhense de 30 mil habitantes localizada a 170 quilômetros de São Luís, para mostrar que uma emenda de R$ 1,25 milhão para recuperar estradas vicinais tomou outro caminho. Segundo a atual prefeita, Maria Alves Muniz (MDB), o dinheiro sumiu.
“Esse valor simplesmente desapareceu. Não foi para obra nenhuma”, afirmou a prefeita na ocasião.
Comprovantes bancários da prefeitura de Arari, obtidos pelo GLOBO, mostram que o valor foi repassado para quatro contas do município, diluindo as cifras com recursos recebidos de outras fontes. A sequência de transferências impossibilitou rastrear para onde foi o dinheiro. Autor da indicação, Pedro Lucas disse, à época, não saber como o recurso foi gasto pela prefeitura. Para ele, é o ex-prefeito Rui Filho, que comandava a cidade quando a emenda foi enviada, quem “precisa prestar contas sobre a aplicação dos recursos”. Questionado pela reportagem, Rui Filho afirmou que a emenda serviu para pagar “obras e serviços”, mas sem especificar quais.
Em Zabelê (PB), município de 2,2 mil habitantes a 317 quilômetros de João Pessoa, a prefeitura anunciou a construção de um novo parque em fevereiro do ano passado. Um vídeo ilustrativo, produzido por um escritório de arquitetura do Recife, mostrava como seria o local, com ciclovia, praça de alimentação, pista de corrida e um amplo espaço para eventos à beira de um lago. Uma emenda de R$ 3 milhões enviada pela então deputada federal Edna Henrique em julho de 2023 garantiria a obra.
Em fevereiro, porém, quando o parque foi prometido à população, já não havia mais dinheiro. Demonstrativos bancários da conta em que o valor havia sido depositado mostravam saldo de apenas R$ 240. Consulta feita pelo GLOBO no sistema do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB) em 3 de outubro indicava cifra um pouco maior, de R$ 304,61.
A movimentação financeira expôs o mesmo modus operandi usado em Arari, com o registro de ao menos 30 transferências, em valores que variaram de R$ 20 mil a R$ 500 mil, de setembro de 2023 a janeiro de 2024, para outras contas vinculadas à prefeitura. Assim, os valores da emenda foram misturados a recursos usados para gastos correntes, como pagamento de salários, pequenos serviços e contas de consumo. Na prática, a manobra impediu saber o destino do dinheiro. Questionada sobre onde foi parar a emenda, a equipe da atual prefeita, Jorsamara Neves (PSD), indicou que a reportagem falasse com seu primo, Dalyson Neves (PSDB), antecessor no cargo e de quem ela foi vice-prefeita na gestão passada. Ele também não explicou como utilizou os recursos. Dois anos após o valor ser transferido ao município, não há qualquer sinal do parque.
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No mês passado, O GLOBO publicou reportagens refazendo o trajeto percorrido por algumas emendas desde sua indicação até chegarem ao destino final. Em alguns casos, encontrou sequências de transferências bancárias realizadas por prefeituras que, nas palavras de especialistas em contas públicas, se assemelham ao método usado para lavar dinheiro.
As cifras são depositadas em uma conta de passagem e depois transferidas, sendo misturadas a outras verbas usadas pelo município para pagamentos correntes, como água, luz e salários dos servidores.
Casos como o de Zabelê e de Arari estão na mira de ministros do STF, que contabilizam ao menos 80 investigações abertas envolvendo repasse de emendas — algumas delas sigilosas. Operações da Polícia Federal nos últimos meses apontaram suspeitas de uso de laranjas, repasse para empresas fantasmas e agiotas usados para cobrar de volta os valores repassados a prefeituras.
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Outros casos
Além dos casos revelados pelo GLOBO, Dino também mandou investigar outras duas emendas, enviadas para Tartarugalzinho (AP) e Porto Walter (AC). Em 18 de setembro de 2025, o portal UOL publicou reportagem apontando indícios de irregularidades em processos licitatórios em Tartarugalzinho, caso que também sera apurado pela PF.
Outro caso foi mostrado, em 11 de outubro de 2025, pelo jornal Folha de S.Paulo, que relatou indícios de desvios na aplicação de recursos de emendas parlamentares no município de Porto Walter (AC). Segundo a publicação, o valor supostamente desviado era para pavimentação de um ramal que atravessa trechos do Território Indígena do povo Jaminawa do Igarapé Preto.