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quinta-feira, novembro 27, 2025

Artigo: brasileiro reconhece mudança do clima, mas não vê como agir

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A COP30 abriu em Belém com um alerta: a desinformação climática. Tratado como questão política global, o tema ganhou até declaração própria.

Entretanto, nós temos um negacionismo à brasileira, e para entender esse cenário, ajuda adaptar ao clima as três formas de negar a realidade descritas pelo sociólogo Stanley Cohen em States of Denial (2001). O negacionismo factual (negar a existência da mudança climática), o interpretativo (aceitar a mudança, mas negar sua causa humana) e o implicatório (aceitar tudo, mas não agir ou não conseguir agir).

Uma pesquisa do INCT ReDem, com 1.504 entrevistas presenciais e 120 participantes de grupos focais nos seis biomas brasileiros, mostra como funciona o nosso caso.

O país não convive com negacionismo climático factual. Só 2,5% dizem que a mudança do clima não existe. O resto sente na pele. “Aqui sempre fez zero grau no inverno. Agora dá 24. Isso não é normal”, diz uma moradora do interior paulista. Outros citam enchentes que arrastam casas, secas que paralisam plantações, calor que não dá trégua.

Também é pequena a fatia que rejeita a responsabilidade humana, estilo negacionismo interpretativo: apenas 4%. Por outro lado, 66% atribuem o fenômeno exclusivamente ao homem, e outros 27%, a uma mistura de ação humana e fatores naturais. A explicação costuma vir como desequilíbrio da natureza provocado por poluição, desmatamento, queimadas e ocupação irregular de terras.

Até aqui, tudo alinhado ao consenso científico. O problema aparece depois, na negação implicatória.

Quando perguntados se desenvolvimento econômico e criação de empregos devem ter prioridade mesmo com danos ambientais, 28% concordam, 24,5% ficam neutros e 47,5% rejeitam a ideia. Aceita-se o fato da mudança climática e da causa humana, mas hesita-se diante do custo de enfrentá-lo.

Essa hesitação não nasce do nada. A estatística mostra que ideologia, escolaridade e desconfiança institucional estão associados ao nosso modelo de negacionismo implicatório. Já os grupos focais revelam o que alimenta a resistência a agir.

A primeira barreira é a sensação de impotência. A percepção de que decisões são determinadas por grandes interesses econômicos. “O homem vai deixar de ganhar dinheiro por causa de uma árvore? A gente não tem voz como o grande tem”, diz um entrevistado do Nordeste.

A segunda é a sobrevivência. Em regiões onde garimpo, desmate e atividades que degradam sustentam famílias, políticas ambientais são vistas como risco imediato de emprego. “Aumenta a fiscalização, mas ninguém traz outra oportunidade de renda”, relata um garimpeiro de Itaituba (PA). Não se trata de justificar dano ambiental, mas de falta de alternativa.

A terceira é a descrença nos órgãos ambientais, vistos como de poucos recursos e sob suspeita de corrupção. No Norte, um participante afirma: “Se você não der a sua parte, algum órgão aparece e embarga”. Relatos de punição seletiva — pequenos autuados, grandes preservados — alimentam o ceticismo.

O resultado é um padrão conhecido: o problema é reconhecido, mas não se enxerga como agir. Nenhuma dessas barreiras nega o clima; elas apenas tornam a ação improvável.

Superar isso exige duas frentes. Conter a desinformação, especialmente entre quem enfrenta maior insegurança econômica. E fortalecer as bases materiais e institucionais que permitam que a proteção ambiental seja viável no cotidiano.

Não basta acreditar na mudança climática. É preciso que a política torne possível agir diante dela.

*Luciana Fernandes Veiga é professora titular do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e pesquisadora do ReDem/INCT. Fábia Berlatto e Michelle Muller Stravinski são pesquisadoras do ReDem.

[Fonte Original]

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