O estado do Rio de Janeiro vive um dos cenários mais preocupantes dos últimos anos em relação às doenças respiratórias. Um levantamento do InfoGripe, da Fiocruz, mostra que, até o início de novembro, foram registrados 13.172 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) — um aumento de 44% em relação ao mesmo período de 2024, quando houve 9.187 notificações. O número de óbitos também assusta: 713 pessoas morreram no estado em decorrência da síndrome neste ano.
Segundo os especialistas, a síndrome respiratória é uma possível consequência de diferentes doenças contagiosas, como a gripe e a covid-19, por exemplo. Porém, nem toda pessoa com alguma dessas infecções irá desenvolver um quadro grave.
Mortes se concentram nos idosos
A análise identificou que os idosos acima de 65 anos são o grupo mais vulnerável à letalidade da doença: 467 dos 713 óbitos totais por SRAG (65,5%) ocorreram nessa faixa etária. Para identificar os agentes causadores foram feitos testes. Desses notificados, 301 mortes tiveram o resultado laboratorial positivo para contaminação por algum vírus respiratório. Neste grupo de casos confirmados, o Influenza A demonstrou ser o vírus mais letal, sendo responsável por 54% das ocorrências, o que corresponde a 163 mortes confirmadas.
Entre crianças menores, especialmente de 0 a 2 anos, outro vírus preocupa. O Rinovírus, geralmente associado a resfriados comuns, provocou 28 mortes, sendo 11 de bebês que ainda não possuem sistema imunológico plenamente desenvolvido.
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A pesquisadora Tatiana Portella, do Programa de Computação Científica da Fiocruz e coordenadora do InfoGripe, explicou a metodologia utilizada no monitoramento: — São os casos graves desses vírus respiratórios, como Influenza, Covid-19 e Vírus Sincicial Respiratório, que obrigatoriamente requerem hospitalização e, portanto, precisam ser notificados numa base de dados nacional — detalhou.
Segundo ela, modelos estatísticos corrigem atrasos de notificação e permitem acompanhar em tempo real o crescimento dos casos para emitir alerta.
— O Rio de Janeiro está acima de um limiar alto nas duas últimas semanas, com tendência de aumento no número de novos casos. Por isso que o consideramos em risco. Das 27 capitais mapeadas, três delas estão em alerta: Rio, Mato Grosso e Pará — afirmou.
Frio, tempo seco e ambientes fechados impulsionam a transmissão
Tatiana Portella, destacou que fatores ambientais e comportamentais contribuem para o cenário de alta dos casos.
— Durante o inverno as pessoas acabam ficando mais tempo em ambientes fechados e com maior aglomeração. Pode ser que essas alterações climáticas que a gente tem observado esse ano sejam um dos fatores que contribuíram para essa alta de casos, mas com certeza não é o único — explicou.
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Com o aumento expressivo de Rinovírus — um vírus que causa a maioria dos resfriados comuns — entre crianças pequenas, Portella reforça o alerta para os pais:
— Muitas vezes o vírus pode causar um sintoma leve em adultos, mas nas crianças pequenas ele pode levar ao agravamento. Por isso, as orientações incluem: o isolamento de quem estiver com sintomas; o uso obrigatório de máscara caso o isolamento não seja possível; não levar crianças sintomáticas à escola; evitar visitas a bebês — especialmente menores de seis meses — sem máscara e cuidados; e manter a vacinação em dia, sobretudo contra a Influenza.
A especialista detalha que o Rinovírus pertence à família Picornaviridae e ao gênero Enterovirus. Ele é altamente contagioso e se espalha facilmente de pessoa para pessoa, principalmente através de gotículas no ar ou ao tocar superfícies contaminadas e depois tocar o rosto.
Na Tijuca, Sulamita Teixeira, de 35 anos, enfrentou a internação da filha de cinco anos, asmática, durante uma semana após um agravamento rápido do quadro respiratório. Ela conta que ainda não havia levado a criança para tomar a dose anual da vacina contra a gripe.
— A gente nunca sabe quando estará correndo risco. Aprendi a lição: sempre vacinar e tomar todos os cuidados possíveis — disse.
Capital monitora 7,6 mil casos com 900 pacientes graves
O cenário estadual se reflete na capital. A Secretaria Municipal de Saúde acionou alerta máximo e acompanha 7.633 casos de síndrome respiratória. Desses, a cidade registrou 5.755 confirmações de infecções por vírus respiratório entre janeiro e 15 de novembro e já ultrapassou a marca de 900 casos graves, que necessitaram de internação — em 2024, foram um pouco mais de 700.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, 37% dos casos monitorados na cidade são provocados por Influenza A, o que aumenta a pressão sobre a rede hospitalar. Como os quadros graves exigem internação, há preocupação com a necessidade de abertura de novos leitos.
— Essa é a nossa maior preocupação. Tivemos ano passado mais de 700 casos e, em 2025, já passamos dos 900 casos de síndrome respiratória grave. Isso preocupa muito porque são casos que necessitam de internações. O que requer mais leitos disponíveis — afirmou.
Apesar de deter a maior cobertura vacinal do estado, com 49,7% do público vacinado contra a gripe, a capital ainda opera abaixo do ideal. Para ampliar o acesso, a prefeitura intensificou as ações e colocou uma van itinerante para vacinação, com passagens por hotéis e aeroportos. A dose está liberada para qualquer pessoa acima de seis meses, mediante apresentação de documento com foto.
O infectologista Marcos Junqueira do Lago, professor da UFRJ, destaca que crianças e idosos devem permanecer no centro da vigilância sanitária. Embora os casos se concentrem principalmente nos pequenos — especialmente até 4 anos —, a letalidade é muito mais elevada entre os mais velhos.
Segundo ele, o sistema imunológico infantil, apesar de eficiente, ainda não tem “memória suficiente” para reconhecer vírus como o Rinovírus. Já em idosos, ocorre o processo de imunossenescência — processo em que há perda gradual de resposta imunológica.
— Ele (Influenza) é o mais agressivo de todos. E é positivo isso, porque é o que a gente tem vacina. Quem toma a vacina da gripe anualmente tem risco dez vezes menor de ter uma síndrome respiratória pela gripe.
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A análise da mortalidade de 2025 confirma essa dinâmica: quase 50% dos óbitos foram causados por Influenza A, seguido de Covid-19 (23,76%) e Rinovírus (14,6%).
Sobre o Rinovírus, Junqueira explica que ele circula durante todo o ano, sem sazonalidade clara, e pode gerar surtos locais.
— As crianças são mais suscetíveis porque nascem com um sistema imunológico excelente, mas sem memória. O idoso é o oposto: ele conhece os vírus, mas o sistema imunológico já está frágil.
Em outro ponto da cidade, na Zona Oeste do Rio, a faxineira Maria do Rosário de Souza viu o pai, Francisco de Souza, de 85 anos, ficar internado por duas semanas após contrair Influenza e apresentar dificuldade intensa para respirar.
Ela credita a recuperação dele aconteceu graças ao cronograma vacinal que estava em dia: — Sabemos qual é a importância de se vacinar. Vacina salva vida, como salvou a do meu pai.
Máscara, isolamento e afastamento escolar seguem recomendados
Diante do crescimento de casos, especialmente entre crianças de 0 a 2 anos, especialistas reforçam medidas de prevenção. A orientação é que adultos e adolescentes com sintomas gripais evitem contato com bebês, usem máscara e permaneçam em isolamento sempre que possível. Crianças com sinais de infecção não devem ser levadas à escola.
A vacinação contra a gripe, embora não proteja contra o Rinovírus, é vista como essencial para impedir sobrecarga da rede e reduzir mortes por Influenza.
Quando procurar atendimento
- Resfriado comum: mal-estar, coriza, espirros, tosse, dor de garganta.
- Infecção moderada: sintomas anteriores + febre acima de 37,8°C.
- Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG): febre, sintomas respiratórios + dificuldade para respirar, saturação abaixo de 95% e respiração acelerada. Comum em pessoas com doenças respiratórias crônicas como asma e bronquite.