- Inscreva-se: veja todas as newsletters do GLOBO e escolha as suas preferidas
- Leia também: Posso deixar meu filho jogar Roblox?
Dúvida da semana 🤷♀️🤷
“Vi meu filho, de 15 anos, conversando com o ChatGPT. No começo achei curioso, mas, depois, um pouco assustador. Já ouvi falar de gente que está fazendo terapia com a IA. Como eu não uso muito, não sei o que achar de tudo isso”.
Impossível ouvir uma história sobre adolescentes e não me transportar automaticamente para essa fase da vida. Para aquela sensação de que tudo parecia maior, mais urgente e mais definitivo do que provavelmente era.
As emoções nessa fase são intensas demais, e a gente ainda não tem a bagagem necessária para colocar as coisas em perspectiva.
Então imagino que, para um adolescente de hoje, ter alguém (ou “algo”) disponível 24 horas, que não julga, não conta para ninguém e responde na hora, deve parecer um alívio enorme. Mas é preciso ajudá-los a compreender os riscos e as falhas desse “companheiro virtual”.
Leia o que disseram os dois especialistas ouvidos nesta semana.
Se você tem dúvidas na criação de crianças e adolescentes e quer que a gente vá atrás de respostas, veja como enviar sua pergunta ao final desta newsletter.
Bianca Orrico, psicóloga, doutora em Estudos da Criança na Universidade do Minho, em Portugal, e responsável pelo atendimento do Canal de Ajuda da SaferNet
😊 Para adolescentes, lidar com a complexidade das relações humanas pode ser muito difícil. Envolve lidar com diferenças, conflitos, o medo de se sentir julgado e a frustração de não se sentir compreendido.
🤖 A interação com uma inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, parece mais fácil. Ele pode começar a contar segredos e desabafar achando que o chat é um confidente, mas essa relação não é recíproca. A tecnologia não “sente” de volta, ela apenas simula uma conversa com base nos dados com que foi treinada.
❤️ Ao tentar buscar apoio emocional com uma IA generativa, crianças e adolescentes podem deixar de desenvolver habilidades socioemocionais que são fundamentais. São habilidades como ouvir e aprender com o outro, respeitar diferenças, resolver conflitos e, o mais importante, estabelecer conexões e vínculos reais. Isso só pode ser desenvolvido de humano para humano.
🗣️ Ao conversar com os filhos sobre isso, é preciso que um vínculo de confiança seja estabelecido. Nós, adultos, conversamos de uma forma que muitas vezes pode afastar mais os adolescentes. Em especial quando tratamos os temas de uma maneira muito moralista, ressaltando o que é certo e errado.
🔄 Muitas vezes fazemos recomendações de uma maneira muito prescritiva, reforçando o que adolescentes devem ou não fazer, e direcionando a conversa a partir de uma perspectiva mais adultocêntrica.Escutamos pouco o que eles têm a dizer, sobre suas experiências, sobre como usam a internet e acabamos abrindo pouco espaço para o diálogo.
🌱 É necessário abrirmos um pouco mão das nossas crenças, do modo como enxergamos as coisas, do nosso julgamento, para entendermos que o que eles estão vivendo é inédito. Não vivemos o que eles estão vivendo.
🤝 Deixe claro que ele pode sempre vir a você para conversar sobre qualquer assunto que o esteja preocupando. Quando o adolescente percebe que a conversa é sobre apoio e cuidado, em vez de controle, é mais provável que se sinta à vontade. Esse tipo de diálogo fortalece os laços familiares e ajuda a construir um relacionamento baseado em confiança.
⚠️ Após ouvirmos, é importante reforçar que as IAs ainda são produtos em desenvolvimento. Elas apresentam falhas, vieses, podem fornecer informações imprecisas ou falsas e ainda existe o risco de vazamento de dados. A pergunta que pode ser feita é: dá para confiar seus pensamentos e intimidade em algo que pode conter esses riscos?
🧩 E então destaque que é sempre possível buscar serviços e profissionais que podem ajudar em relação ao que ele tem sentido. Ter um espaço seguro e sem julgamentos é e sempre será a melhor estratégia para auxiliar em relação a algo que causa angústia.
Fernando Lino, neuroeducador, especialista em segurança digital e responsável pelo programa Guardião Digital
🧠 Esse hábito está se tornando cada vez mais comum entre adolescentes — e é compreensível que cause certo desconforto nos pais. De fato, há muitas preocupações legítimas nessa interação. Nossas crianças e adolescentes ainda não estão sendo educados para conversar de forma segura com agentes de IA, e o mercado já está cheio de sistemas que se apresentam como “companheiros virtuais”, “terapeutas” ou até “namorados virtuais”, o que é especialmente preocupante.
🤖 É importante lembrar que a IA não é uma pessoa real. Ela foi programada para agradar, concordar e validar as emoções e opiniões do usuário. Isso pode gerar uma falsa sensação de compreensão e vínculo. No mundo real, as relações humanas são construídas com contradições, empatia genuína, pausas, escuta e até frustrações — aspectos fundamentais para o amadurecimento emocional que a IA não consegue reproduzir de forma autêntica.
⚠️ Já houve relatos de jovens que desenvolveram dependência emocional de assistentes de IA ou foram influenciados por respostas inadequadas, o que levantou alertas sobre limites éticos e segurança.
🤳🏽 O próprio ChatGPT lançou recentemente uma versão para adolescentes, com camadas extras de proteção. Vale a pena checar se é essa que seu filho usa.
🗨️ Mas, aos 15 anos, uma proibição total dificilmente funcionará. A IA já está presente em aplicativos, ferramentas escolares e até nas redes sociais. E fará parte da vida profissional dele em pouco tempo. O caminho mais produtivo é o diálogo e o acompanhamento ativo.
👀 Comece por compartilhar suas próprias experiências. Por exemplo: “Hoje eu usei o ChatGPT e ele respondeu tal coisa… Achei estranho”. Esse tipo de conversa quebra o tom de vigilância e transforma o tema em uma descoberta compartilhada.
📚 Outra boa estratégia é trazer reportagens, vídeos ou casos reais sobre o uso de IA e conversar sobre o que ele pensa a respeito. Discuta as diferenças entre uma “amizade digital” e uma amizade real, entre “ouvir um conselho automático” e “receber um conselho humano”. Assim, vocês vão construindo uma visão de uso crítico dessas ferramentas.
DESCOMPLICA: um resumo do que dizem os especialistas
🧷 Dependência: adolescentes podem criar vínculos emocionais com IAs que não são capazes de corresponder de forma real.
⚠️ Falsa compreensão: a IA valida e concorda automaticamente, o que pode gerar a sensação enganosa de apoio genuíno.
🛑 Riscos éticos: há casos de respostas inadequadas, vieses, falhas e risco de vazamento de dados.
💬 Diálogo: proibir não funciona; é mais eficaz acompanhar, conversar e construir uso crítico em conjunto.
🧠 Educação digital: é essencial ensinar jovens a diferenciar relações humanas de interações automatizadas e a buscar ajuda profissional quando necessário.
No radar 🙇🏽♀️
Como crianças e adolescentes usam plataformas de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, no Brasil? Veja os dados da TIC Kids Online Brasil 2025, divulgada em outubro, sobre hábitos da população brasileira de 9 a 17 anos.
- QUANTOS USAM IA GENERATIVA? A pesquisa mostrou que, no total, 65% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos entrevistados utilizaram ferramentas de IA.
- PARA QUE FINALIDADES? Quase seis em cada dez deles (59%) se valeram desse artifício para realizar pesquisas escolares ou estudar. Cerca de 42%, para procurar informações. Além disso, 21% usaram a IA para criar conteúdo e 10%, para conversar sobre problemas pessoais ou suas emoções.
- USO AUMENTA CONFORME A IDADE: Os dados mostram que o uso da IA generativa cresce à medida que a idade avança. Na faixa etária entre 15 a 17 anos, por exemplo, 68% usavam a IA generativa para estudar; 60%, para buscar informações; e 12%, para falar sobre questões pessoais.