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sexta-feira, novembro 28, 2025

Entrevista: COP30 tirou o debate climático dos salões da diplomacia e trouxe para as ruas de Belém, diz pesquisadora

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Especialista na ecologia e na restauração da Amazônia, bioma em que nasceu e se criou, a cientista paraense Ima Vieira, do Museu Paraense Emilio Goeldi, afirma que, se a COP30 terminou com resultados aquém do esperado no mundo, para o Brasil e a Amazônia trouxe ganhos reais. Vieira é uma das organizadoras do livro “Mudanças Climáticas no Brasil: Estado da Arte e Fronteiras do Conhecimento”, lançado na COP30 pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e que será distribuído em universidades, institutos de pesquisa e bibliotecas de todo país como obra de referência no assunto.

Que resultados positivos a COP30 trouxe para o Brasil?

O Brasil se reposicionou como interlocutor legítimo das negociações climáticas. Recuperamos o protagonismo diplomático e acho até que ele está mais forte agora do que na Rio92 ou no Acordo de Paris (COP21). O Brasil tem legitimidade para isso porque, a despeito de todas as dificuldades, tem mostrado resultados na redução do desmatamento e não tem responsabilidade histórica com acúmulo de CO², diferentemente dos EU e dos países europeus. Mas há desafios.

O primeiro é transformar os resultados do protagonismo diplomático em políticas públicas. Fazer justiça climática internamente. Isso tem a ver com adaptação, com direitos humanos. E também temos potencial de liderar em transição energética.

Com tecnologia. O Brasil tem potencial, já fez isso com biocombustível, mas tem potencial para mais. É preciso tecnologia para gerar desenvolvimento, emprego e renda. Não podemos ser apenas produtores de commodities energéticas e sim desenvolver tecnologias próprias.

Qual os ganhos que a COP30 trouxe para a Amazônia?

Trouxe protagonismo e um papel ativo para a Amazônia. Passamos décadas apenas recebendo informações e políticas geradas em outros lugares. E é fundamental ter em mente que estão na Amazônia hoje os maiores embates sobre energia, sobre agronegócio de todo o Brasil. A COP30 criou um espaço para articulação entre gestores públicos, cientistas, povos indígenas e tradicionais, empresas e ONGs. E deu voz a quem mais sofre o impacto dos problemas ambientais na Amazônia. Também proporcionou um ganho essencial.

Ela trouxe a mudança climática para o cotidiano das pessoas. Você ouve nas ruas de Belém, em outras partes da Amazônia pessoas falando sobre isso, se dizendo preocupadas e conscientes do que está acontecendo. Isso é fundamental. A COP30 democratizou o debate climático, o tirou dos salões da diplomacia e o espalhou pelas cidades, comunidades. Isso foi fenomenal. É preciso que a mudança do clima esteja na boca do povo.

Tivemos um transbordamento da COP30?

Sim. E muito positivo, particularmente em Belém com uma experiência coletiva e positiva. Para Belém e o Pará, de forma geral, a conferência foi muito boa, trouxe investimentos, melhoria da infraestrutura, visibilidade. E a conferência também chamou atenção para problemas amazônicos graves.

A expansão do crime organizado em toda a Amazônia. Isso foi muito discutido durante a COP30, tema de estudos, de eventos técnicos e debates. O crime organizado está associado ao desmatamento, à grilagem, ao garimpo, a uma série de outros problemas graves e combatê-lo é um desafio não apenas para os estados da Amazônia, mas para todo o Brasil.

Associar a questão ambiental a eventos positivos traz ganhos reais?

Sim, claro. Houve um fortalecimento da relação entre cultura e meio ambiente, por exemplo. E na Amazônia isso já era muito forte, a COP ajudou a expandir. Tirou só o peso dos fatos negativos, da crise, que são muito reais, mas mostrou que meio ambiente também pode ser sinônimo de alegria, de música, de literatura, de cinema, de diversão. Na verdade, era essa a relação que todos deveríamos ter.

E quais os ganhos para a ciência da Amazônia?

A maior parte do conhecimento científico sobre ela é produzida em outros estados. Essas coisas não mudam de uma hora para outra. Mas a COP30 foi boa para afirmar a importância da ciência. Foi a primeira COP a ter um pavilhão oficial de ciência (o Pavilhão de Ciência Planetária, liderado pelo climatologista Carlos Nobre). Tivemos ainda a Casa da Ciência, sediada no Museu Paraense Emílio Goeldi, com debates de alto nível. É preciso sempre lembrar que a Convenção sobre Mudanças Climáticas e as COPs são resultado das descobertas da ciência. Mas a COP30 foi muito boa para a ciência da Amazônia, em especial.

Além de nos dar mais voz, também trouxe mais cooperações nacionais e internacionais. Isso é fundamental para o avanço da ciência e não somente na Amazônia. No pós-COP30, essas redes de pesquisa precisam ser fortalecidas. Temos que manter uma agenda.

E o livro que vocês lançaram?

Ele é um grande compêndio, reúne o que se sabe sobre o impacto da mudança do clima no Brasil, mas também aponta soluções, seja na saúde, nos biomas, em desastres, na agropecuária. São mais de 80 autores, de todas as áreas do conhecimento ligadas à questão climática. Esse livro será distribuído gratuitamente e pode ser lido por qualquer pessoa. Não é uma obra para especialistas. Foi elaborada de forma que qualquer um possa compreender os desafios que enfrentamos e o que podemos fazer para enfrentá-los. O livro mostra que até 2100, se o mundo não reduzir significativamente as emissões de gases-estufa, a temperatura média no Brasil poderá aumentar entre 2,5C e 4,5C. Isso é uma receita para o desastre.

O livro é uma espécie de mapa do caminho para evitar essas perdas?

O Brasil não precisa de mapa do caminho. Sabe o que precisa fazer e que rumo tomar. O livro traz esse conhecimento, para que todo mundo tenha acesso a ele e esteja consciente que podemos melhorar.

[Fonte Original]

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