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segunda-feira, novembro 3, 2025

‘Há uma década, as pessoas tinham diabetes com 55 anos, hoje são muitos com 25’, diz pesquisadora principal do Mounjaro

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Melanie Davies é uma das coordenadoras das diretrizes para diabetes tipo 2 da Sociedade Americana de Diabetes (ADA) e da Sociedade Europeia para o Estudo do Diabetes (EASD). Há 15 anos, a médica está envolvida em ensaios clínicos direcionados em especial a novas terapias para diabetes tipo 2 e obesidade.

Davies foi investigadora principal em vários estudos com tirzepatida (princípio ativo do Mounjaro), incluindo o SURPASS 2, que comparou a tirzepatida com a semaglutida (princípio aivo do Ozempic e wegovy) e mostrou que a tirzepatida alcançou reduções superiores no controle glicêmico (HbA1c) e na perda de peso em adultos com diabetes tipo 2.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Davies, que é professora de Medicina do Diabetes na Universidade de Leicester, na Inglaterra, e diabetologista consultora honorária nos Hospitais Universitários de Leicester do NHS Trust (organização dentro do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido) responsável por administrar e prestar determinados tipos de serviços de saúde pública, falou sobre o aumento de casos de diabetes em pessoas jovens, os avanços no tratamento da condição, os desafios para os sistemas de saúde e o que esperar no futuro.

Por que o diagnóstico de diabetes tipo 2 tem sido cada vez mais cedo?

Existem fatores genéticos, mas também fatores de estilo de vida e sociais. A obesidade tem aumentado, os hábitos alimentares mudaram, há menos atividade física, mais poluição e fatores epigenéticos em jogo. Tudo isso contribui para o aumento da doença, especialmente entre os jovens. O diabetes tipo 2 representa cerca de 9 em cada 10 casos de diabetes no mundo, e os números estão aumentando de forma dramática em todas as regiões — tanto nos países em desenvolvimento quanto nos países ocidentais. Estamos vendo pessoas sendo diagnosticadas cada vez mais jovens. Há dez anos, no Reino Unido, a idade média era entre 50 e 60 anos. Hoje, temos muitos pacientes na faixa dos 20 ou 30 anos. A criança mais jovem que tratamos tinha 8 anos quando desenvolveu diabetes tipo 2. Então, há fatores genéticos, mas também há estilo de vida e eu diria fatores sociais, então sabemos que, em geral, as pessoas estão se tornando mais obesas e mais pessoas estão vivendo com obesidade e sobrepeso, sabemos que o estilo de vida das pessoas mudou e sabemos que a dieta e os fatores nutricionais das pessoas mudaram, mas também a poluição, o que chamamos de epigenética e genética, muitas coisas estão impulsionando esse aumento no diabetes tipo 2 e particularmente em pessoas mais jovens.

É possível reverter esse cenário?

A obesidade é um fator-chave. E é importante reforçar que obesidade é uma doença — não falta de força de vontade ou culpa da pessoa. Pessoas com diabetes tipo 2 costumam apresentar resistência à insulina e falência das células beta, ou seja, o corpo não consegue produzir insulina suficiente para lidar com os níveis de glicose. Além disso, a biologia das incretinas — hormônios como GLP-1 e GIP — não funciona bem nesses pacientes, afetando apetite, saciedade, peso e produção de insulina.

Os sistemas de saúde estão preparados para lidar com esse aumento de casos?

Não, de modo geral não estão. O diabetes tipo 2 costuma vir acompanhado de outras condições: acúmulo de gordura nos órgãos, doença hepática gordurosa metabólica, insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, problemas de saúde mental, depressão e estigma. Alguns sistemas de saúde estão mais bem estruturados, mas a quantidade de pacientes e a complexidade dos casos cresceram muito. Temos mais pacientes idosos, mas também um número crescente de pessoas jovens, o que exige suporte psicológico, educação em autocuidado e acesso a novos tratamentos. A boa notícia é que hoje temos medicamentos muito mais eficazes do que há dez anos.

No Brasil, assim como no Reino Unido, temos um sistema de saúde público. Aqui, os novos tratamentos são caros e é difícil oferecê-los amplamente. Como funciona no sistema de saúde do Reino Unido com a tirzepatida?

No Reino Unido, temos o NICE, que avalia eficácia clínica e custo-benefício dos medicamentos. A tirzepatida foi considerada custo-efetiva, então é reembolsada pelo sistema público — mas apenas para alguns grupos de pacientes, especialmente aqueles com diabetes tipo 2 e obesidade. Usamos bastante esse medicamento em pacientes jovens, que apresentam progressão mais rápida da doença e complicações precoces. Medicamentos mais antigos, como metformina e sulfonilureias, não são ideais nesses casos porque eles precisam de um bom controle glicêmico, mas também precisam perder peso. É por isso que no relatório de consenso da ADA ESD que analisamos, falamos sobre a eficácia na redução da glicose e no controle de peso, e a trizepatida claramente tem a eficácia mais poderosa tanto em termos de controle glicêmico quanto de perda de peso em nossos pacientes tipo 2.

Há estudos com tirzepatida em crianças e adolescentes?

Sim. Já existem dados publicados para a faixa etária a partir dos 12 anos, mas claramente a maioria dos dados vem da população com mais de 18 anos. Também há estudos em andamento com outras terapias baseadas em GLP-1, como liraglutida e semaglutida, porque as crianças que desenvolvem o tipo 2 realmente têm o que chamamos de fenótipo muito extremo, geralmente têm um histórico familiar muito forte, muitas vezes obesidade mórbida, e é muito importante que tentemos otimizar seu controle.

Mudanças no estilo de vida são suficientes para tratar o diabetes?

O estilo de vida é essencial, mas sozinho, geralmente, não é suficiente. Estudos mostram que mudanças no estilo de vida logo após o diagnóstico não impedem, por si só, a progressão da doença. No nosso grupo, estudamos intervenções de atividade física: reduzir tempo sentado, exercícios de resistência para ganhar força e massa muscular, e aumento da movimentação diária. Tudo isso melhora desfechos de saúde, mas exercícios físicos não costumam gerar perda de peso significativa e a maioria das pessoas com diabetes tipo 2 vive com sobrepeso e obesidade. Mesmo assim, é importante praticá-los porque independente da forma em que o indivíduo perder peso, seja por meio de cirurgia bariátrica, por intervenção no estilo de vida e dieta com restrição calórica ou com medicamentos, ele perde massa magra. Acreditamos, proporcionalmente, a perda de massa magra com medicamentos como a tirzepatida é menor, mas ainda precisamos conscientizar as pessoas sobre a importância da atividade física, especialmente os exercícios de resistência, para ajudá-las a preservar a força.

E o estilo de vida é suficiente para alcançar a remissão?

No estudo DIRECT, no Reino Unido, mais da metade dos pacientes alcançou remissão com perda de 12–15% do peso corporal em um ano. Mas, em cinco anos, apenas 1 em cada 7 manteve a remissão. Isso ocorre porque o corpo reage à perda de peso tentando voltar ao “ponto de ajuste” original. Por isso, preferimos combinar tratamento farmacológico com mudanças no estilo de vida. Tive uma médica jovem que estava realmente a ponto de perder o juízo. Nós a tratamos com tirzepatida. Isso transformou completamente a vida dela. O ruído alimentar (expressão usada para descrever um fluxo constante e indesejado de pensamentos relacionados à comida) que estava constantemente em sua cabeça desapareceu. Ela conseguiu perder cerca de 10 quilos e então pôde ir à academia e fazer muitas intervenções no estilo de vida. Então, é quase como um benefício duplo porque ela está obtendo um controle glicêmico pela primeira vez, vendo seu peso melhorar, mas também sente que está livre daquele ruído constante em sua cabeça e da perturbação de seus hormônios do apetite, o que lhe permite se concentrar em fazer coisas como exercícios de resistência e academia, que também a fazem se sentir melhor e contribuem para seu bem-estar.

Então, na sua opinião, o que é mais importante no tratamento do diabetes tipo 2?

Controle de peso, controle glicêmico, proteção cardiovascular e proteção de órgãos. Além disso, apoio psicológico e autocuidado são essenciais. Mudanças no estilo de vida — como alimentação, sono adequado, menos tempo sentado e mais atividade física — devem caminhar lado a lado com medicamentos eficazes. Também é fundamental tratar fatores de risco como tabagismo, pressão arterial e colesterol.

Você mencionou o sono como um fator importante. Como ele influencia o diabetes?

Existem três aspectos, o primeiro é a quantidade. Dormir pouco ou demais pode aumentar inflamação e glicose. Em seguida, a qualidade. Distúrbios como apneia obstrutiva do sono são comuns em quem tem diabetes e prejudicam a qualidade do sono. E então, o cronotipo e jet lag social. Pessoas “noturnas” ou que trabalham em turnos desalinhados ao seu ritmo biológico têm maior risco de desregulação glicêmica.

E quanto à alimentação e exercícios?

A alimentação precisa ser ajustada especialmente quando o paciente usa incretinas — é importante adaptar o tamanho e o ritmo das refeições. a atividade física, qualquer aumento de movimento já ajuda. Perguntar quantos passos por dia a pessoa dá pode ser tão útil quanto medir a pressão. Reduzir o tempo sentado e fazer exercícios de resistência é essencial, porque o diabetes acelera o envelhecimento muscular.

No Brasil, muitas pessoas veem a obesidade como algo temporário. Como explicar que, assim como o diabetes, ela também é uma doença crônica?

Explico aos pacientes que, assim como quem toma remédios para pressão ou colesterol não pode simplesmente parar, o mesmo vale para medicamentos de controle de peso. Quando alguém interrompe o tratamento, geralmente volta a ganhar peso e perde controle glicêmico — não por culpa própria, mas pela biologia do corpo. Em alguns casos, reduzimos a dose para manutenção, mas é raro que o paciente consiga parar completamente sem recaídas.

E como podemos fazer a prevenção do diabetes entre jovens?

A prevenção primária depende de mudanças sociais, com cidades que incentivem movimento, menos marketing de ultraprocessados e políticas públicas fortes. A prevenção secundária envolve identificar pessoas em risco (pré-diabetes) e intervir precocemente com mudanças de estilo de vida.

Como você descreveria a importância dos agonistas de GLP-1, como a tirzepatida, no tratamento do diabetes?

Eles transformaram completamente a prática clínica. Antes, tínhamos poucas opções eficazes. Hoje, conseguimos reduzir significativamente peso e hemoglobina glicada, proteger órgãos e evitar hipoglicemias — tudo isso com menos injeções e mais qualidade de vida para o paciente.

Na sua opinião, quais foram as maiores mudanças na área do diabetes nos últimos anos?

Os tratamentos baseados em incretinas foram uma revolução. Os inibidores de SGLT2 também trouxeram benefícios importantes, especialmente para a saúde renal. Além disso, a saúde digital vem ampliando o acesso ao cuidado e ao monitoramento.

É possível curar diabetes tipo 2?

Podemos modificar a doença e alcançar remissão, mas falar em “cura” ainda é prematuro. Mesmo após cirurgia bariátrica, muitos pacientes voltam a apresentar diabetes.

Quais são suas prioridades de pesquisa atualmente?

Estamos focando no diabetes tipo 2 de início precoce — um grupo pouco estudado — e no desenvolvimento de tratamentos mais personalizados. Também estudamos como combinar medicamentos e estilo de vida para melhorar qualidade de vida e reduzir o envelhecimento acelerado causado pela doença.

E esse envelhecimento acelerado pode ser interrompido com o tratamento?

Ainda não sabemos com certeza. Nossos estudos mostram que pessoas de 60 anos com diabetes tipo 2 têm função física semelhante à de pessoas sem diabetes de 80 a 90 anos. Intervenções mais precoces podem mudar isso — e é nisso que estamos trabalhando.

Para encerrar, o que esperar do cuidado com o diabetes no futuro?

Precisamos de sistemas de saúde mais centrados na pessoa e menos fragmentados. Devemos oferecer suporte psicológico e combater o estigma, além de preparar o sistema para lidar com uma população mais jovem e com necessidades complexas.

[Fonte Original]

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