Lula resolveu testar, na reta final do terceiro mandato, um novo estilo de governar: autossuficiência na adversidade. É o tipo de opção que cai bem em filmes de ação, aqueles em que o herói se vê sozinho na mata ou num país hostil e resolve enfrentar bandidos, zumbis ou a Yakuza na base do “eu sozinho”. Para governar, não parece ser uma receita muito boa.
As coisas vão mal com a Câmara, e o Senado parece ser o último bastião de (mínima e circunstancial) governabilidade? Então vamos implodir as pontes também com o Senado. Parece ter sido esse o raciocínio a recomendar ao presidente a ideia de designar para o STF o candidato rival do preferido de Davi Alcolumbre no exato momento em que tramita na Casa presidida por ele um dos projetos mais importantes para o governo no palanque de 2026.
Como a ideia é dinamitar apoios em todos os lados, que tal confirmar a indicação de Jorge Messias, um homem branco, exatamente no Dia da Consciência Negra? Brilhante, não? Pode parecer que essas questões são filigranas. Mas, para um governo que navega pelo Congresso em franca minoria desde a largada, e viu a situação se agravar de dois anos para cá, não são.
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Numa das várias reuniões em que o tema da disputa pela vaga no STF foi levantado, Lula ouviu alertas sobre o risco de comprar briga com Alcolumbre no momento em que o Senado é o único porto mais ou menos seguro para o Executivo. Perguntou, então, a ministros e líderes com quantos votos o governo conta na Casa. Ouviu uma contabilidade pseudotranquilizadora, em que PSD e MDB apareciam como partidos fechados com ele. O arauto das boas notícias só omitiu que essas bancadas seguem a liderança de Alcolumbre, não do Planalto.
Apesar disso, Lula parece ter resolvido medir forças com aquele que vem tentando ajudar sua gestão. Um aliado incrédulo se perguntava nesta quinta-feira se haveria alguma pesquisa em que o governo tem 80% de aprovação e não a estão mostrando para ninguém.
A nomeação de Messias já era esperada, e há alguns dias Lula a comunicou ao próprio Rodrigo Pacheco, o preterido para a vaga de Luís Roberto Barroso. Mas a liturgia e o timing das decisões, ainda mais quando envolvem as cada vez mais complexas relações entre Poderes, importam.
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Alcolumbre acabou de dar duas mãozinhas ao governo, aprovando o projeto para compensar a derrubada da Medida Provisória 1303 e escolhendo Alessandro Vieira para relatar o PL Antifacção, que foi todo desfigurado na Câmara. Para isso, preteriu Flávio Bolsonaro e Sergio Moro, dois senadores bastante simbólicos da oposição a Lula.
Nada de importante será discutido no STF neste mês que falta para o recesso do Judiciário. Pelo contrário: todas as atenções lá estão voltadas para o início do cumprimento da pena de Jair Bolsonaro e dos demais réus da trama golpista.
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Fica difícil compreender a razão do anúncio de Lula em pleno feriadão a não ser pela vontade de mostrar que quem manda é ele. Essa autossuficiência num momento em que todas as pesquisas apontam para o fim do ciclo de (leve) recuperação de sua popularidade, com uma reeleição difícil mesmo sem que se saiba quem serão os rivais e com o governo apanhando de lavada justamente no tema da segurança, parece arrogância de quem já foi louvado pelo tirocínio político.
Alcolumbre dará o troco rejeitando o nome de Messias e lavando as mãos quanto ao PL Antifacção? Ainda é cedo para cravar. Mas as primeiras reações dele foram negativas. A aliados, chegou a dizer que não demorará para pautar a sabatina e a votação do nome do atual advogado-geral da União, e que “abrirá o painel com 41 nomes registrados”. O governo que se vire para conseguir os votos.
Não custa lembrar que a recondução de Paulo Gonet obteve só 45 votos a favor. E ele não contava com um ex-presidente do Senado como adversário preterido em praça pública.