A Merck, empresa que introduziu as estatinas no mundo há quase 40 anos, tem um novo comprimido extremamente potente que pode reduzir drasticamente os níveis do colesterol LDL, o colesterol “ruim”, a níveis quase nunca vistos em adultos.
O novo comprimido, enlicitide, bloqueia uma proteína hepática, a PCSK9, que retarda a capacidade do corpo de eliminar o colesterol. Com a maior parte da PCSK9 bloqueada, os níveis de LDL caem drasticamente e as taxas de ataques cardíacos e derrames em pacientes de alto risco diminuem em até 20% já no primeiro ano.
Pelo menos 6 milhões de adultos nos Estados Unidos são elegíveis para medicamentos que bloqueiam a PCSK9.
O chefe de pesquisa da Merck afirmou que o objetivo é tornar o comprimido acessível. Ele seria uma alternativa às caras injeções quinzenais ou mensais de anticorpos monoclonais que fazem o mesmo. Mas apenas cerca de 1% dos pacientes elegíveis tomam as injeções, que incluem o Praluent, da Regeneron e Sanofi, e o Repatha, da Amgen. Muitos pacientes não querem se autoaplicar as injeções, e as seguradoras criam obstáculos para o pagamento, dizem os cardiologistas. O preço de tabela dos medicamentos ultrapassa US$ 500 ( cerca de R$ 2.666) por mês.
No sábado, no congresso da Associação Americana do Coração, a Merck divulgou os resultados do estudo de 24 semanas com 2.912 pessoas que sofreram um ataque cardíaco, derrame ou outro evento cardiovascular, ou que apresentavam risco de sofrer um. Elas foram aleatoriamente designadas para tomar enlicitida ou um placebo. Aqueles que tomaram enlicitida reduziram seus níveis de LDL em até 60%, a mesma porcentagem alcançada com as injeções.
Não houve diferença nos efeitos colaterais entre os que tomaram o comprimido e os que tomaram o placebo.
Neste domingo, a empresa divulgará os resultados de um estudo menor envolvendo pessoas com uma condição genética, a hipercolesterolemia familiar, que resulta em altos níveis de LDL.
Diversos estudos ao longo dos anos demonstraram que quanto menor o nível de LDL, melhor — as taxas de ataque cardíaco e derrame diminuem à medida que os níveis de LDL caem. E aparentemente não há desvantagens em ter um nível de LDL surpreendentemente baixo, incluindo níveis na faixa dos 10 ou 20 mg/dL. Adultos que não tomam medicamentos para baixar o colesterol geralmente têm níveis acima de 100 mg/dL.
—Quanto menor, melhor, com certeza — diz Daniel Soffer, cardiologista da Universidade da Pensilvânia.
Quando os medicamentos injetáveis foram aprovados há uma década, parecia que a proteína PCSK9 poderia ser “um alvo óbvio” para um comprimido, explica Christie Ballantyne, investigador principal dos ensaios clínicos da Merck e diretor do Centro de Prevenção de Doenças Cardiometabólicas do Baylor College of Medicine, no Texas. Mas, segundo Ballantyne, os químicos disseram que era impossível.
O problema era que, para bloquear a PCSK9, os químicos precisariam encontrar uma substância que se ligasse à mesma grande superfície plana da proteína PCSK9 à qual os anticorpos dos medicamentos injetáveis se ligam. Em escala celular, os anticorpos são enormes. Uma molécula pequena, como as da maioria dos comprimidos, seria muito pequena.
A solução encontrada pela Merck, após 10 anos de pesquisa, foi criar um círculo de peptídeos, com um centésimo do tamanho de um anticorpo, mas maior do que uma pequena molécula típica administrada em comprimidos.
Esse método, segundo Dean Li, presidente dos Laboratórios de Pesquisa da Merck, poderia permitir que os pesquisadores criassem comprimidos capazes de substituir muitos outros medicamentos injetáveis.
Li observa que é muito mais barato fabricar e transportar comprimidos do que injetáveis, que precisam ser mantidos refrigerados. Afirma que o objetivo é manter o preço do comprimido de PCSK9 baixo para que possa ser amplamente utilizado nos Estados Unidos e em outros países. Ele quer que os pacientes vejam a ingestão de um comprimido de PCSK9 como algo “igual à aspirina” ou, como ele diz, a um medicamento padrão para pressão arterial.
—O sonho é democratizar o PCSK9 — diz. — E esse sonho tem potencial para se tornar realidade
Um comprimido acessível, tomado diariamente, que tenha o mesmo efeito que os medicamentos injetáveis “pode ser revolucionário”, declara Christopher Cannon, cardiologista do Brigham and Women’s Hospital em Boston, que presta consultoria para diversas empresas farmacêuticas, mas não para a Merck.
David Maron, cardiologista preventivo da Universidade Stanford, afirma:
—Se o preço for acessível, fará uma enorme diferença para os milhões de pessoas em risco de ataques cardíacos e derrames. Este é um avanço realmente importante — atesta.
A AstraZeneca também está trabalhando em um comprimido PCSK9, diz Maron, que faz parte de um grupo independente de especialistas que monitora a segurança desse medicamento em ensaios clínicos.
Ainda há muito a ser feito. A Merck está conduzindo um grande estudo com mais de 14.500 pessoas para confirmar se a redução do colesterol LDL se traduz em menos ataques cardíacos e derrames, e menos mortes cardiovasculares.
A Merck planeja solicitar à Food and Drug Administration (FDA) a autorização para comercializar o enlicitide no início de 2026 e espera lançar o medicamento em 2027.
Cannon, por exemplo, está ansioso por isso.
— Vejo isso como o futuro — conclui.