23.5 C
Brasília
segunda-feira, dezembro 22, 2025

Crítica | Natal e Polícia, de Rubem Braga – Plano Crítico

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Rubem Braga, um dos cronistas mais significativos da literatura brasileira, é conhecido por seu estilo único que combina a sensibilidade poética com uma prosa acessível e coloquial. Suas crônicas, escritas principalmente nas décadas de 1940 a 1960, refletem não apenas a realidade social e política do Brasil da época, mas também exploram temas universais que ressoam até os dias de hoje. E, tal como outros expoentes do campo literário em nosso país, deu suas contribuições para a temática natalina. Aqui, versamos sobre a crônica Natal e Polícia. Mas, antes de adentrar no conteúdo da composição literária em questão, creio ser importante fazer uma breve travessia sobre seu estilo. Vamos nessa? Uma das características mais notáveis do estilo do escritor é seu uso de uma linguagem simples e direta. Diferentemente de muitos escritores que buscam uma prosa rebuscada, Braga opta por palavras comuns e frases curtas que tornam suas crônicas acessíveis a uma ampla audiência. Isso não significa, no entanto, que seus textos sejam superficiais. Ao contrário, é essa simplicidade um dos seus maiores trunfos. Ele consegue dar vida a situações cotidianas com uma profundidade que convida à reflexão.

Outro aspecto que se destaca na obra de Braga é a sua habilidade de capturar a essência do cotidiano. Suas crônicas são, muitas vezes, reflexões sobre a vida diária, pequenas observações que se tornam grandes lições. Através de detalhes que podem passar despercebidos, ele transforma o banal em algo extraordinário. Essa capacidade de extrair o sublime do ordinário é o que torna suas crônicas tão atemporais e universais. O autor tem um olhar atento para o que acontece ao seu redor, e sua prosa é impregnada de uma delicadeza que evoca emoções nos leitores, despertando questões sobre a vida, a morte, a solidão e a busca por significado. Ademais, a ironia é outra ferramenta que Braga utiliza com maestria. Sua escrita é frequentemente pontuada por toques de humor ácido que não apenas divertem, mas também provocam uma reflexão crítica sobre a sociedade em que vivemos. Essa ironia sutil pode ser observada em crônicas que tratam de eventos cotidianos, nos quais ele expõe contradições da vida urbana de forma intrigante. E, crônica sem ironia, caro leitor, é algo quase sem “sabor”.

Braga também é um mestre na construção da imagem poética. Muitos de seus textos são carregados de metáforas e comparações que enriquecem a narrativa. Ele tem a habilidade de transformar uma simples descrição em um momento poético, capturando a beleza do mundo ao seu redor. Essa poesia, frequentemente presente na sua prosa, é um dos aspectos que eleva suas crônicas a um nível artístico. Ao falar sobre elementos da natureza, por exemplo, Braga não apenas descreve; ele evoca sensações, criando uma experiência sensorial que permite ao leitor visualizar e sentir o que está sendo apresentado. Na crônica Natal e Polícia, o escritor satiriza a brutalidade policial que se manifesta de maneira exacerbada durante as festividades de Natal. O relato inicia com a cena de banhistas no Leme sendo atacados pela radiopatrulha e pela Polícia Especial, que lançam granadas de gás lacrimogêneo e usam cassetetes, gerando uma onda de violência que resulta na prisão de um bêbado e na subsequente detenção dos guarda-vidas que tentam protegê-lo. Braga descreve a cena caótica de espancamentos e ferimentos, como o da senhora ferida por um estilhaço, realçando a vulnerabilidade dos cidadãos comuns diante do aparato policial. O general Lima Câmara, embora no comando, limita-se a prometer um relatório, que provavelmente culminará em processos contra as vítimas e não contra os agressores, evidenciando a impunidade e a inversão de valores.

A crônica continua a criticar a ordem estabelecida, revelando como conflitos cotidianos agora se transformam em violências públicas desmedidas, com consequências graves para a população civil. Braga utiliza ironia para apontar a desmoralização da polícia, cuja função de “manter a ordem” é continuamente subvertida por suas ações violentas. O autor conclui com um desejo provocador ao general Lima Câmara, sugerindo que ele ou promova uma real reforma na polícia para restaurar a ordem, ou se retire do cargo, deixando espaço para alguém que realmente possa assegurar a proteção da população. Assim, a crônica vai além de uma crítica pontual, convocando a reflexão sobre a relação entre autoridades e cidadãos e os limites da atuação policial. O texto tece críticas diretas ao Marechal Antônio José de Lima e Câmara, um militar e político brasileiro, conhecido por seu papel no movimento tenentista e por sua atuação no Superior Tribunal Militar (STM). Ele também participou ativamente do movimento que impediu a posse dos presidentes Carlos Luz e Café Filho, em 1955, e executor do estado de sítio em São Paulo. Adepto do tenentismo, movimento que buscava reformas políticas no Brasil.

No texto, o autor radiografa com veemência um momento chocante na história brasileira. No que diz respeito à estrutura, a crônica segue os padrões deste modelo literário, isto é, uma forma breve e concisa, típica do gênero. Ele apresenta uma ideia central que se desdobra ao longo da narrativa. Essa estrutura não apenas facilita a leitura, mas também exige que Braga seja econômico com as palavras, o que por sua vez torna sua prosa ainda mais impactante. As transições entre os parágrafos são fluídas, dando um ritmo agradável ao texto e mantendo o leitor engajado do início ao fim. Além disso, o contexto histórico em que Rubem Braga escreveu suas crônicas também desempenha um papel crucial em seu estilo literário. Vivendo durante um período de grandes transformações políticas e sociais no Brasil, suas obras frequentemente refletem a tensão e a complexidade da época. Entretanto, ele torna essas questões acessíveis ao colocá-las em um contexto de experiências humanas cotidianas, o que permite que seus textos abordem temas universais através de uma lente particular. O autor transforma a política e a sociedade em algo relacionável e íntimo.

Natal e Polícia (Brasil, 1940)
Autor: Rubem Braga
Editora original: Global
2 páginas



[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img