O massacre cometido pelo Hamas contra os israelenses em 7 de outubro de 2023 (Operação Dilúvio de Al-Aqsa) deu início a uma contraofensiva (Operação Espadas de Ferro) que, em apenas algumas semanas, já se mostraria exatamente o que é hoje: um genocídio. Artística e pessoalmente ligado à Palestina, o jornalista e quadrinista maltês Joe Sacco, que já havia escrito e desenhado sobre a região em duas outras ocasiões, Palestina (1993) e Notas Sobre Gaza (2009), faz aqui em Guerra em Gaza uma rápida, mas intensa e lancinante abordagem sobre a progressão dos eventos, desde a sua percepção social inicial até o nojo e desesperança diante do andamento da guerra e a impossibilidade de ver o seu fim.
A abordagem do artista não poderia ser mais precisa. Dos discursos afetados e inúteis da esquerda que não se organiza e quer apagar fogo soprando fumaça (com zero crítica ao sistema) ao apoio místico e psicopata da direita belicista e sionista ao extermínio de palestinos (com total financiamento do sistema), Joe Sacco versa de maneira irônica sobre os envolvidos direta ou indiretamente com a situação. O leitor não deve esperar, porém, uma narrativa amplamente organizada ou uma tese única a ser desenvolvida, tanto em termos jornalísticos quanto em termos quadrinísticos. O motivo principal, claro, é que Guerra em Gaza aborda um conflito ainda em andamento (do ponto de vista do autor, e do meu, no momento de escrita desta crítica, em dezembro de 2025). E também porque, no andar da carruagem e nas condições midiáticas em que se aborda a questão, esse tipo de projeto solto funciona melhor.

Entre pesadelos, citações bíblicas, alfinetadas certeiras sobre o início da corrida eleitoral de 2024 (ainda com Joe Biden na disputa) e exposição literal de falas de lideranças centrais sobre a guerra, o artista mostra como a mídia Ocidental simplesmente se calou, fingiu não ver, adotou circunstâncias atenuantes ou fez as mais estapafúrdias ginásticas mentais para seguir defendendo a mortandade levada a cabo pelos israelenses e seu sanguinolento Deus-Rei Bibi; e de como Israel e os Estados Unidos (mas também a União Europeia e, num termo guarda-chuva, a OTAN) se agarraram a delírios tão absurdos sobre o que era, qual o tamanho, o poder e as reais ações do Hamas e grupos terroristas aliados, que começou a gerar um estranhamento até mesmo dos passa-panos de primeira ocasião. E o tempo provou o quão mentirosas e absurdas eram as declarações, a ponto de, hoje, o lado MAGA dos sionistas estar rachado sobre o envolvimento dos EUA com a situação palestina e sobre um de seus atalhos inevitáveis, que é a questão do Irã.
Guerra em Gaza é um soco no estômago. A arte de Joe Sacco é impressionante, como sempre, e ele utiliza símbolos e citações morbidamente cômicas para esfregar na cara do leitor dessensibilizado a desumanidade em discussão. Sua referência à “nova letra escarlate“, ao petróleo do Oriente Médio, às terras palestinas cobiçadas e já leiloadas por Israel e o plano estatal de extermínio étnico e dominação territorial que foi se desenhando claramente com os meses, estampam o óbvio e discutem o que a mídia, quase que unanimemente, se recusa a discutir. Em seu encerramento, o quadrinho é abrupto. Penso que caberia uma sequência que encaminhasse melhor o ideal crítico do autor, mas esta é apenas uma chatice contextual. O tema, a abordagem e, principalmente, o peso e a necessidade de se falar sobre essas questões estão aqui, e todos exibidos de forma chocante. Este é o tipo de projeto que, por melhor que seja, traz uma forte pontada de terror e agonia por ser baseado num inferno real que ainda não acabou. E que ainda recebe os aplausos de muita gente por aí.
Guerra em Gaza (War on Gaza) — EUA, 2024
Roteiro: Joe Sacco
Arte: Joe Sacco
Editora original: Fantagraphics Books
No Brasil: Quadrinhos na Cia. (2025)
Tradução: Érico Assis
40 páginas