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terça-feira, dezembro 30, 2025

Crítica | Monstros (graphic novel) – Plano Crítico

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O britânico Barry Windsor-Smith é uma lenda dos quadrinhos. Apesar de, comparativamente com diversos de seus contemporâneos, sua produção não seja enorme, ele foi o responsável, ao lado de Roy Thomas, por trazer Conan para sua mais célebre HQ mensal, iniciada em 1970, desenhando e contribuindo para os roteiros das 24 primeiras edições e, com isso, abrindo espaço nos quadrinhos para o personagem de Robert E. Howard, como inaugurando toda uma era de publicações de histórias do gênero. Em 1991, ele escreveu e desenhou o icônico arco Arma X, protagonizado por Wolverine, não só oferecendo um pouco de ordem na bagunça da cronologia do personagem, como também uma obra que, no conjunto, sequer parece algo que seria publicado por uma editora mainstream tamanha a complexidade narrativa e a ousadia visual, especialmente de um personagem tão conhecido.

No entanto, sua obra máxima veio somente com o tempo e com a idade. No alto de seus então 72 anos e depois de 37 deles em gestação lenta, o mestre finalmente publicou Monstros, uma mega-graphic novel de 380 páginas em preto e branco, formato avantajado e capa dura que nasceu de uma ideia para uma história do Hulk que nunca foi para a frente e que se tornou uma espécie de Frankenstein moderno, com a mente criativa de Windsor-Smith contando de forma alinear uma história de gerações que gira em torno de Bobby Bailey, um jovem de 23 anos que, em 1964, se alista no exército americano e é percebido pelo Sargento McFarland como um candidato ideal para um programa ultrassecreto chamado Prometeu que, sem conhecimento dele, usa tecnologia nazista para criar o tão desejado Übermensch, de Adolf Hitler, ou seja, trazendo um pouco da obra seminal de Mary Shelley e outro tanto da origem do Capitão América, referências particularmente importantes em termos temáticos. Descrever mais do que isso é uma tarefa fútil que só teria o condão de extrair do leitor que porventura ainda não tenha lido Monstros a jornada de descoberta que é essa história ganhadora de mais do que merecidos três Prêmios Eisner nas categorias nobres de Melhor Graphic Novel, Melhor Roteirista/Artista e Melhor Letreirista.

Se a história em si é fascinante, repleta de camadas e de personagens que vão sendo introduzidos gradativamente, com um movimento pendular de gêneros que trafegam de thriller de espionagem a horror corporal, passando por dramas pessoais cuidadosamente explorados e por momentos chocantes de ação, além  de fortes comentários políticos e socioeconômicos, sem deixar de sublinhar muito incisivamente o preconceito racial, tudo com um roteiro que não tem pressa, mas que sabe muito bem aonde quer chegar, a arte de Barry Windsor-Smith talvez consiga ser o maior destaque dessa já monumental criação. Com uma arte “riscada”, levemente “suja”, mas detalhista e impressionantemente expressiva, o autor/desenhista chega ao ponto alto de sua carreira artística com o que ele coloca nas páginas de Monstros. Sem prender-se a moldes, ele consegue lidar muito bem tanto com a estrutura clássica de divisão de páginas em nove pequenos quadros, como variações disso que vão do levemente diferente ao completamente ousado em que os desenhos passam a sangrar de um quadro ao outro, as sarjetas por vezes desaparecem por completo, há o uso extensivo de narrativa epistolar (um clássico vitoriano em histórias de monstros, temos que lembrar) que eu normalmente não gosto, mas que, aqui, funciona à perfeição. E isso sem contar com raras, mas por isso mesmo particularmente potentes páginas inteiras que “explodem” perante os leitores.

O contraste profundo do claro e do escuro da arte em preto e branco realça expressões, aprofunda a agonia dos protagonistas e também do leitor, porque não, não é uma HQ que pode ser lida sem atenção ou apenas por prazer, e dão vida aos verdadeiros monstros que, claro, passam longe de ser a criatura deformada que povoa a narrativa. O resultado desse conjunto visual é uma graphic novel de leitura brutal, implacável e inquietante que transforma os breves momentos de respiro em verdadeiras calmarias que antecedem tempestades devastadoras que marcam profundamente o leitor. Por outro lado, diria que é impossível simplesmente parar a leitura. Pessoalmente, mesmo com a intensidade estressante da narrativa, tive que me forçar a fechar a HQ e me afastar dela por algumas horas, às vezes até um ou dois dias. Diria até que a leitura espaçada no tempo é importante para a absorção de tudo o que Barry Windsor-Smith faz aqui, todas as suas críticas pesadas ao militarismo americano, ao preconceito de toda sorte e todas as suas relativizações morais, até porque é necessário calma para apreciar a arte em tamanho maior do que o normal (eu li no original americano, mas sei que a publicação nacional da Todavia manteve o tamanho, ainda bem) que salta aos olhos e pede uma observação atenta aos detalhes e à forma como a narrativa visual é contada.

Monstros é um monstro de uma graphic novel repleta de monstros reais, mas também e principalmente metafóricos, que funciona como uma bela alegoria antibelicista e, também, uma análise ficcional de um momento crucial na história dos EUA. Poucos criadores de quadrinhos conseguem, depois de tanto tempo longe de seu meio – Barry Windor-Smith não publicava nada há 15 anos -, retornar não com uma obra qualquer, mas sim com um testamento definidor de toda uma carreira e uma graphic novel que merece figurar no panteão das melhores já feitas.

Monstros (Monsters – EUA, 2021)
Roteiro, arte e letras: Barry Windsor-Smith
Editoria: Eric Reynolds
Editora original: Fantagraphics
Data original de publicação: 28 de abril de 2021
Editora no Brasil: Editora Todavia
Data de publicação no Brasil: 09 de setembro de 2022
Tradução: Érico Assis
Páginas: 380



[Fonte Original]

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