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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Crítica | Unidade Básica – A Série Completa – Plano Crítico

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A oferta de dramas médicos é tão extensa que toda vez que me encontro com uma dessas produções no streaming, uma sombra de dúvida me toma por completo. A grande questão é: será que vai funcionar como entretenimento ou apenas parte da análise de um subgênero da televisão que venho mapeando criticamente como parte de meu trabalho ao longo dos últimos anos? Bom, depois de conferir as três temporadas disponíveis da série Unidade Básica, devo dizer que o programa cumpre duas tarefas da arte: entretém e ainda funciona como recurso didático para pensarmos a saúde pública em nosso país. A produção nos apresenta uma UBS como microcosmo das Unidades Básicas de Saúde brasileiras, locais que desempenham um papel fundamental na estrutura do nosso sistema, sendo a porta de entrada para o atendimento à saúde da população. Os profissionais de que atuam nessas locais enfrentam diariamente uma série de desafios que vão muito além das questões técnicas da medicina, num cotidiano marcado pela diversidade das demandas e pela complexidade do contexto social em que atuam.

No geral, essas equipes são compostas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e outros profissionais, cada um desempenhando um papel crucial na promoção da saúde e na atenção ao paciente. No entanto, a rotina é intensa e exigente. Um dia típico pode incluir desde a triagem de pacientes até a realização de consultas, prescrições médicas, acompanhamento de programas de prevenção e promoção de saúde, e a educação em saúde voltada para a comunidade. Além das demandas clínicas, esses profissionais lidam com a escassez de recursos, a infraestrutura deficiente e a falta de remuneração condizente com a carga de trabalho. Muitos enfrentam longas jornadas de trabalho, e a pressão por atender um número elevado de pacientes em um curto espaço de tempo torna a experiência ainda mais desafiadora. Os profissionais frequentemente relatam o estresse e a exaustão como parte de sua rotina, o que pode comprometer não apenas a qualidade do atendimento, mas também sua saúde mental e física. E é esse o foco da série, com episódio em torno dos 27 minutos de duração, representação de profissionais éticos e cidadãos, em busca de atendimento humanizado para a população que circunda a região onde trabalham, um ideal diante da utopia que é o serviço público de saúde em nosso território, infelizmente não comandado por tanta “gente boa” assim.

Criada por Ana Petta, intérprete de Laura, uma das protagonistas do programa, em colaboração com sua irmã, a médica Helena Petta, e o roteirista Marcos Takeda, Unidade Básica é uma notável produção que consegue capturar a complexidade da saúde pública brasileira através das histórias de seus personagens e de suas interações em uma UBS. Exibida pelo canal Universal, a série tem como pano de fundo a rotina dos usuários, médicos, enfermeiros, agentes de saúde e auxiliares, oferecendo um retrato fiel das realidades enfrentadas por esses profissionais e os desafios dos pacientes. Com uma narrativa que mescla drama e romance, os episódios vão além do entretenimento, discutindo temas de vital importância para o Sistema Único de Saúde, como a integralidade do cuidado e a vulnerabilidade dos cidadãos. A simplicidade da estrutura narrativa contrasta com a profundidade das questões abordadas, fazendo da série um espaço de reflexão e aprendizado sobre as nuances da saúde pública em um país marcado por desigualdades. Os personagens da série são profundamente elaborados e simbolizam diversos problemas enfrentados por usuários do SUS. Dentre os destaques da linha de frente, temos os profissionais interpretados por Caco Ciocler, Carlota Joaquina, Ana Petta, Vinicius de Oliveira, dentre outros.

Dentre as tantas figuras ficcionais, temos Dona Vilma, que ignora os medicamentos para diabetes. Há Juliano, que lida com sua recente descoberta de ser soropositivo, mas não quer se cuidar. Temos também Dona Iná, que enfrenta a dura realidade do câncer em estágio terminal, exemplos palpáveis das complexidades emocionais e sociais que permeiam as vidas dos personagens. Cada episódio oferece uma visão intimista e, muitas vezes, dolorosa, das decisões que os pacientes tomam e das consequências que essas escolhas acarretam para a sua saúde. As tramas não se limitam apenas ao tratamento das doenças, mas exploram as relações interpessoais e os conflitos emocionais que surgem em meio a essas dificuldades. Assim, a série não apenas relata casos médicos, mas também investiga as dinâmicas familiares, profissionais e sociais que influenciam o acesso e a qualidade do atendimento na saúde pública. A proposta da série envolve uma pesquisa profunda sobre a vida dos usuários do SUS, permitindo que os criadores ajudem a construir um entendimento mais amplo sobre quem são essas pessoas e quais são suas realidades. O cuidado integral, um dos fundamentos do SUS, é discutido de maneira sensível ao longo da narrativa, com diálogos e situações que evidenciam a necessidade de um olhar atento às vulnerabilidades sociais e à complexidade do ser humano.

Além disso, o trabalho dos profissionais de saúde representa uma luta diária contra não apenas as doenças, mas também o que as circunda: a burocracia, a falta de recursos e a escassez de tempo. Esse retrato desafia o público a refletir sobre a valorização do trabalho desses profissionais, que muitas vezes negligenciam sua própria saúde e bem-estar em prol do tratamento dos outros, como exemplificado pelo personagem médico Paulo, que ignora suas próprias necessidades. A série atravessou desafios significativos, especialmente com a chegada da pandemia de COVID-19, que impactou profundamente o sistema de saúde e a vida dos cidadãos brasileiros. Embora o segundo ano da série tenha sido adiado por conta da crise sanitária, os novos episódios, lançados em seu terceiro ano, trazem à tona as dificuldades vivenciadas durante este período de caos. Ao decidir trazer os personagens de volta ao contexto da pandemia, os roteiristas enfrentaram a tarefa delicada de tratar da crise de saúde pública em meio a uma trama já existente, preocupados com a representação fiel dos desafios que se intensificaram naqueles tempos difíceis. A equipe e o elenco sentiram o peso da responsabilidade, conscientes de que a arte poderia servir tanto como um espelho da realidade quanto como um meio de promover a discussão sobre o estado da saúde pública no Brasil durante um período tão crítico. A forma como a série lida com este tema, respeitando as experiências vividas, acrescenta uma camada extra de relevância à produção, tornando-a um relato que não apenas informa, mas também provoca empatia e conscientização em seu público.

Desta maneira, Unidade Básica se destaca por sua capacidade de misturar histórias pessoais a questões sociais, tornando-se uma arte capaz de educar e informar. Em sua abordagem sensível e realista, a série não apenas diverte, mas também ilumina as lutas diárias de pessoas que dependem da saúde pública e dos profissionais dedicados que as atendem. Ao longo dos 24 episódios da série, os espectadores são convidados a refletir sobre a complexidade e a importância do SUS, ao mesmo tempo em que se conectam emocionalmente com personagens que enfrentam suas próprias batalhas. Diante do exposto, Unidade Básica tem os seus momentos de romance entre médicos, conflitos entre liderança e liderados, celeumas sociais como usuários de drogas, religiosos fervorosos descrentes na ciência, jovens tendo que lidar com aborto e sexualidade, dentre outras temáticas, necessárias para um programa que não é aula da disciplina Saúde Pública em formato audiovisual EAD e, sim, uma produção de entretenimento, mas que, em sua dimensão textual e estética politizada, funciona como um excelente debate para temáticas diversas neste universo. Uma estrutura coesa entre diletantismo e instrumento pedagógico para reflexão. Em seu desenvolvimento, observamos que os desafios enfrentados nas UBS não se limitam apenas às condições de trabalho. O atendimento à saúde em comunidades vulneráveis requer uma abordagem sensível e adaptada à realidade local. Os profissionais precisam estar preparados para lidar com uma população que enfrenta fatores socioeconômicos adversos, o que se reflete em questões como insegurança alimentar, falta de acesso à educação e habitação precária.

Ao trabalhar em comunidades marginalizadas, os profissionais de saúde precisam desenvolver habilidades além das técnicas médicas, como a empatia e a comunicação eficaz. O vínculo entre profissional e paciente é essencial para o sucesso do tratamento, e construir essa relação pode ser um grande desafio em contextos de desconfiança e estigmas sociais. O respeito à cultura local e a compreensão das necessidades da comunidade são fundamentais, exigindo dos profissionais uma formação contínua e uma disposição para aprender com aqueles que atendem. Um aspecto positivo demostrado pela série é que o cotidiano nas UBS funciona com ênfase no trabalho em equipe. A interdisciplinaridade é a chave para abordar a saúde de forma integral, considerando não apenas a doença, mas também os determinantes sociais da saúde. O diálogo entre os diferentes profissionais da saúde é crucial para oferecer um atendimento mais completo e eficiente. Entretanto, para que essa equipe funcione de maneira efetiva, é fundamental que haja uma boa liderança e uma gestão que valorize cada membro da equipe. O apoio institucional e a criação de uma cultura de valorização do profissional são elementos que podem transformar o ambiente de trabalho e promover a satisfação e a motivação dos profissionais. E isso, sabemos, nem sempre ocorre, dando espaço para os conflitos expostos em meios aos diálogos firmes e aos arcos dramáticos que mesclam questões pessoais e profissionais dos personagens em cena.

Unidade Básica (Brasil – 2016-2020)
Direção: Caroline Fioratti, Carlos Cortez
Roteiro: Juliana Soares, Marcos Takeda, Newton Cannito
Elenco: Caco Ciocler, Carlota Joaquina, Ana Petta, Vinicius de Oliveira, Fabiana Gugli, Gabriel Calamari, Bianca Muller, Ivo Muller, Lucas Padovan, Lina Melo, Marina Mathey
Duração: 24 episódios/27 minutos cada.



[Fonte Original]

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