Adrian Coria, de 19 anos, construiu um negócio de roupas no varejo pelo TikTok usando ônibus baratos na capital montanhosa da Bolívia para entregar os produtos. As tarifas artificialmente baixas eram possíveis graças a um subsídio de combustível implementado antes mesmo de seu nascimento.
Mas, na quarta-feira, o novo presidente da Bolívia, Rodrigo Paz, cancelou abruptamente o subsídio em um pronunciamento nacional, provocando um aumento vertiginoso nos preços das passagens de ônibus e confusão generalizada sobre quanto os serviços deveriam custar agora.
Paz, um moderado, assumiu o cargo em novembro, herdando a pior crise econômica da Bolívia em décadas. Da noite para o dia, ele acabou com a cultura de combustível barato que dominava a vida cotidiana boliviana por grande parte deste século.
“Eu tive que me deslocar de bicicleta para não decepcionar meus clientes”, disse Coria em entrevista de La Paz, a capital mais alta do mundo, localizada a cerca de 12.000 pés de altitude.
O governo afirma que a medida pode economizar US$ 3,5 bilhões no próximo ano, além de interromper o esgotamento das reservas do país. Mas o custo para os cidadãos de uma das nações mais pobres da América Latina é alto. “Isso não tem nada a ver com pressão social. Os custos políticos não estão sendo medidos aqui”, disse o ministro da Fazenda, José Gabriel Espinoza, aos jornalistas.
Esta também é a política mais drástica de Paz até agora para tentar equilibrar as contas públicas da Bolívia, enfrentando um déficit fiscal previsto para ultrapassar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Napoleon Pacheco, professor de Economia na Universidad Mayor de San Andrés, disse que a inflação inevitavelmente subirá. “É um golpe para os cidadãos, mas era melhor fazer do que não fazer”, afirmou.
A decisão lembra esforços semelhantes em outros países da América Latina, mais recentemente na Argentina, onde o presidente, Javier Milei, implementou cortes agressivos nos gastos públicos na esperança de que um experimento radical de livre mercado salve a economia e evite os piores efeitos da inflação. Ele alertou os eleitores sobre as dificuldades que teriam que enfrentar — e em outubro seu partido venceu as eleições de meio de mandato, consideradas um referendo sobre sua abordagem.
Os EUA, aliados de Paz e que prometeram apoio, saudaram imediatamente as reformas. “Reconhecemos que o caminho à frente não será fácil”, disse o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio em comunicado. “As reformas anunciadas hoje são uma correção necessária que estabelece as bases para um futuro mais próspero e seguro para todos os bolivianos.”
O governo boliviano afirmou que o fim do subsídio fará os preços da gasolina subirem 86%, enquanto o diesel terá alta de 163%. No início do século, a Bolívia era grande exportadora de gás natural, que financiava o subsídio, mas as reservas se esgotaram e o país é agora um importador líquido.
“Os bolivianos sabem que precisamos ser honestos sobre os hidrocarbonetos”, disse Paz ao anunciar a medida.
Após o anúncio, houve pânico e protestos.
Motoristas correram para postos de gasolina em busca do combustível ainda barato, enquanto famílias se dirigiram aos supermercados para estocar arroz, açúcar, papel higiênico e outros itens básicos. Em uma movimentada rua comercial de La Paz, centenas de pessoas lotavam lojas e faziam filas para comprar o máximo que podiam. As prateleiras esvaziaram rapidamente e algumas lojas fecharam as portas. Motoristas de táxi bloquearam ruas enquanto esperavam para carregar pacotes de clientes.
Enquanto muitos reclamavam do que chamaram de “presente de Natal indesejado” de Paz, outros adotaram um tom mais conciliador. “Estávamos vivendo em uma ilusão”, disse Ema Poma, 45 anos, enquanto aguardava um carro para carregar caixas e sacolas de mantimentos. “Agora acho que as pessoas ajustarão suas finanças e chegaremos a um ponto de equilíbrio.”
Os motoristas de ônibus não sabiam quanto cobrar. Alguns dobraram as tarifas, outros aumentaram cerca de 45%. Discussões e pequenas brigas entre motoristas e passageiros eram comuns no fim da semana passada. O preço típico da passagem é de 2,40 bolivianos, ou menos de US$ 0,35.
Diversos setores alertaram que protestariam até que Paz revertesse a decisão. Na sexta-feira, motoristas de ônibus fizeram greve na cidade, prometendo retomar o protesto na segunda-feira e unir forças com mineiros, sindicatos e até comitês de bairro.
No entanto, no domingo à noite, o governo de Paz chegou a um acordo com os motoristas para suspender os protestos planejados para esta semana. Os grupos irão, em vez disso, participar de conversas sobre como ajustar as tarifas para os passageiros. Ainda assim, os mineiros começaram a marchar em La Paz na manhã de segunda-feira
Ainda não está claro se a oposição será forte o suficiente para forçar o governo a reconsiderar. Economistas concordam há muito que o subsídio de combustível era insustentável após quase 20 anos de governo socialista. Seu principal defensor, o ex-presidente de esquerda Evo Morales, está foragido e evita a prisão em um complexo na selva boliviana. De lá, ele advertiu um futuro governo conservador em junho: “Se a direita vencer, vamos ver se resistem.”
O ex-presidente Luis Arce — agora preso por alegações de corrupção — também manteve o subsídio durante seu governo entre 2020 e 2025. No final de seu mandato, Arce propôs um referendo sobre o futuro da política e defendia um plano improvável de substituir importações por produção local de biocombustível. Mais recentemente, escreveu uma carta da prisão criticando a decisão de Paz.
Problemas com a inflação
A inflação na Bolívia atingiu quase 25% em julho, o nível mais alto em mais de 30 anos, e havia recuado para 21% em novembro. O alto índice de aumento de preços agora pode piorar devido ao combustível caro, que impacta o custo de praticamente todos os produtos.
O governo, no entanto, tenta tranquilizar os bolivianos.
Paz ordenou um aumento de 20% no salário mínimo, que passará a 3.300 bolivianos (US$ 479) em 2026. Mas 85% da economia do país é informal, portanto não obedece às regras do salário mínimo. Ele também anunciou maiores bônus para estudantes da rede pública e alguns aposentados, além de um programa extraordinário de transferência de dinheiro para as famílias mais vulneráveis.
“Conceitualmente, essa é a arquitetura correta”, disse Jonathan Fortun, economista sênior do Institute of International Finance, em postagem no LinkedIn. “Na prática, capacidade de execução, velocidade e confiança são decisivas. Se as transferências forem percebidas como atrasadas, parciais ou incertas, o comportamento cauteloso dominará e ampliará o impulso inflacionário.”
O governo também anunciou isenções fiscais e incentivos para atrair investimentos privados, e ordenou que o banco central transite para um “novo regime cambial”. A Bolívia manteve a paridade da moeda desde 2011, a 6,96 bolivianos por dólar, um subsídio que também prejudicava as finanças do país. Embora a paridade tenha desaparecido no mercado paralelo — onde o dólar normalmente é negociado entre 9 e 10 bolivianos — o anúncio pode significar o fim oficial da política de taxa fixa.
Paola Quispe, 40 anos, é uma das pessoas que mais sentirão o impacto do aumento de preços. Ela passa os dias andando por La Paz com um carrinho cheio de fones de ouvido, cabos e baterias. Ganha cerca de 1.500 bolivianos por mês, quase metade disso para pagar o aluguel de um quarto onde vive com os dois filhos.
Quispe espera que o vice-presidente Edmand Lara, um ex-policial denunciante que atraiu muitos eleitores de esquerda para apoiar Paz, possa intermediar um compromisso. Lara pediu que Paz reconsiderasse, dizendo que o fim do subsídio de combustível gerará mais pobreza, desemprego e inflação.
“Eu acho que Paz deveria conversar com Lara e chegar a um acordo, não fazer sozinho”, disse Quispe, que votou na chapa Paz-Lara esperando uma transição econômica gradual sem medidas drásticas que afetassem os mais pobres.
Para o Natal, ela afirma que não poderá mais cozinhar Picana, um prato típico de sopa apimentada acompanhado de diferentes carnes. “Vamos ter que cozinhar o que der, porque frango e carne estão caros”, disse.