Em um cenário altamente competitivo, cuidar da reputação da marca deixou de ser uma tarefa do departamento de comunicação para se tornar estratégia do negócio, permeando todas as áreas da companhia. Foi-se o tempo que um bom discurso era suficiente para gerar confiabilidade ou recuperar a segurança em momentos de crise. A construção e manutenção de uma imagem positiva dependem de uma comunicação estratégica, transparente e alinhada com as ações da companhia. Não à toa muitas marcas têm apostado na construção da reputação por meio de aumento da transparência e adoção de metas concretas em vez de discurso.
“Confiança e reputação ocupam hoje um lugar central na estratégia das organizações. Funcionam como ativos intangíveis que geram valor competitivo, conferem resiliência em crises e legitimam a liderança”, afirma Leonardo Müller, responsável pelo Centro de Estudos e Análises Econômicas Aplicadas à Comunicação da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). “Os principais desafios concentram-se em governança, riscos digitais e na distância entre percepção e ação.” Segundo ele, comunicar abertamente processos e decisões, inclusive sobre o uso de dados e inteligência artificial (IA), reduz percepções de risco e reforça a credibilidade.
Com uma média de dois milhões de clientes atendidos por dia e 1,2 mil lojas no Brasil, o McDonald’s criou há 11 anos o programa Portas Abertas, que convida o público a conhecer como são preparados os alimentos servidos nos restaurantes. Desde então, mais de 15 milhões de pessoas na América Latina, sendo dez milhões no Brasil, já participaram da iniciativa. “Nada melhor do que transparência e verdade para derrubar mitos”, afirma Mariana Scalzo, diretora de comunicação da divisão Brasil da Arcos Dorados. “Podemos preparar a melhor campanha de marketing para dizer que o sanduíche é feito na hora, mas sempre haverá quem duvide. Porém, quando se observa de perto, confirma-se o que a comunicação prega.” O Portas Abertas recebeu entre os meses de janeiro e outubro mais de 66 mil clientes e, segundo a executiva, 95% dos que tiveram uma experiência negativa com a marca saíram encantados depois da visita.
É com o objetivo de elevar a transparência que a Libbs Farmacêutica se prepara para lançar o Portal da Transparência Libbs. A plataforma reunirá informações sobre ações de relacionamento da empresa com profissionais de saúde a partir de 2024, envolvendo patrocínios a eventos científicos, apoios para participação em congressos, financiamento de pesquisas, brindes, alimentação, hospedagem e transporte. Inicialmente o portal revelará dados anonimizados referentes às ações de 2024/2025 e a partir de 2027 as informações contarão com nome, registro profissional, tipo de iniciativa e o valor da ação de relacionamento. “É uma quebra de paradigma”, afirma Samanta Greghi, diretora de comunicação e experiência da marca. “Dentro de casa temos, há dez anos, o programa Perguntar Não Ofende, no qual o presidente responde ao vivo a perguntas dos colaboradores. Agora chegou a vez de comunicarmos para fora.”
Outra instituição que opta pela transparência — inclusive ao tratar de casos mais sensíveis, como demissões — é o Itaú Unibanco. Em setembro deste ano, o banco anunciou a dispensa de 1,1 mil funcionários que trabalhavam em home office e em regime híbrido por baixa produtividade. O caso ganhou destaque, gerando polêmica e críticas, mas o banco não se esquivou das respostas. Um mês depois, durante encontro com estudantes da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o presidente do Itaú, Milton Maluhy Filho, foi direto quando questionado sobre o caso. Segundo ele, a análise feita foi séria, o banco dispunha de várias ferramentas de avaliação de produtividade e os demitidos estavam entregando 20% do que era esperado.
Não foi a primeira vez que o banco decidiu divulgar os motivos para as demissões. Durante a pandemia, em 2020, cerca de 50 funcionários foram desligados por receberem indevidamente o auxílio emergencial, criado pelo governo federal exclusivamente para quem não tinha vínculo empregatício. Em março de 2023, outras 80 pessoas foram demitidas por uso indevido do plano de saúde. Nos três episódios, a comunicação corporativa atuou lado a lado com a direção do banco.
Em nota enviada a esta revista, o Itaú Unibanco enfatiza a transparência como “princípio central da forma como se relaciona com colaboradores, clientes, investidores e com a sociedade”. A transparência também pautou a comunicação referente à demissão de altos executivos ocorrida em 2024: a de Alexsandro Broedel, ex-vice-presidente financeiro, e de Eduardo Tracanella, ex-vice-presidente de marketing do banco. “Em temas sensíveis, especialmente aqueles que envolvem pessoas e decisões difíceis, buscamos atuar com responsabilidade, clareza e respeito, evitando espaço para especulações que possam gerar ruído ou insegurança. Nosso compromisso é comunicar de maneira íntegra e visível, alinhada à nossa cultura e à confiança que esperamos construir todos os dias”, diz a nota.
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Na visão de Juliana Oliveira, CEO e fundadora da agência Oliver Press, comunicação e compliance têm de andar juntos. “A comunicação tem de ter acesso e ser parceira do jurídico, do marketing, do departamento de vendas”, afirma. “Se tudo passar pela comunicação, gerará storytelling genuíno. Reputação não se constrói de um dia para o outro, mas pode ser perdida de uma hora para outra.”
Criada em abril de 2025, a Rede Américas, que reúne 27 hospitais e 40 mil médicos atuantes, estruturou em parceria com a agência bowler um projeto focado na eficiência comunicacional e no storytelling jornalístico em prol da reputação da marca. “Ao trabalhar com histórias reais de pacientes, colaboradores e profissionais da saúde, extrair notícias exclusivas para um endosso reverso e traduzir numa linguagem simples os temas sazonais, a Rede Américas se tornou um hub de conteúdo estratégico para a imprensa, assegurando alcance e credibilidade”, afirma Mariane Novais, diretora de comunicação e marca.
Segundo a executiva, em todas as frentes — campanhas, Portal Saúde Américas, redes sociais e anúncios na mídia tradicional, incluindo TV aberta — o fio condutor é comunicar a paixão por cuidar e a excelência médica de maneira empática e genuína, tendo o paciente no centro. “Em seis meses, produzimos webséries e campanhas, além de uma média de 1.300 inserções mensais em veículos de comunicação, com o propósito de oferecer informação verídica num setor mergulhado em fake news.”
Quem também investiu em depoimentos reais como alicerce para a comunicação integrada foi a montadora Iveco. “A voz do usuário ganhou megafone. Fala-se nas redes sociais do que se entende e do que não se sabe também. Independentemente do que se fala, é preciso dar uma resposta”, afirma Maurício Corrêa, gerente de marketing da Iveco. “Em 2020, reestruturamos o departamento de comunicação e dois anos depois abrimos a fábrica em Sete Lagoas [Minas Gerais] para visitas programadas e para quem tem alguma dúvida sobre nossos veículos.”
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A virada de chave veio com a campanha de lançamento de um novo caminhão, pautada em depoimentos de usuários. “Demos voz a caminhoneiros, donos de transportadoras, gestores de frotas. Os vídeos aumentaram em 720% o número de contatos para tirar dúvidas e alcançaram dois milhões de visualizações no YouTube”, conta Corrêa. “Uma marca só é considerada quando considera a todos. Entre janeiro e outubro o mercado registrou queda de 25% nas vendas de caminhões pesados, enquanto a Iveco teve alta.”
Com 75% de marketshare no mercado nacional de cabos de alumínio para linhas de transmissão de energia, o desafio da paraense Alubar era reposicionar a marca como uma empresa de transformação, com foco no lema “Nossa natureza é transformar”. “Em março, apresentamos, simultaneamente no Brasil, Estados Unidos e Canadá, a nova identidade visual, que traz raízes amazônicas e valores sólidos para um contexto global”, conta Mônica Alvarez, gerente de comunicação. “Preservamos o nome para contar a nossa história, ampliamos a participação nas redes sociais, em eventos no Brasil e no exterior.” Segundo a executiva, a comunicação foi estratégica para aumentar a reputação da Alubar nos mercados em que atua.
Especialista em análise e inteligência de dados, Marília Stabile, fundadora e presidente do conselho da agência Ponto Map, observa que a reputação passou a ser um ativo capaz de direcionar negócios. “Por anos, os estudos de avaliação do valor de uma marca eram baseados em indicadores econômicos e financeiros”, afirma. “Agora, para fusões, compra e incorporação, formação de parcerias, a reputação pode ser a nota de corte para definir se o negócio vale ou não a pena.”
Com metodologia exclusiva, a agência combina análises de mídias com pesquisas de opinião quantitativas e qualitativas, além de plataformas de reclamação do consumidor. “Usamos uma régua única para medir o impacto de todos os públicos e mídias. Comparamos os dados de um histórico mínimo de um ano. Com todos os dados combinados, chegamos ao valor da reputação”, explica. “Não se trata mais de mostrar os dados para a área de comunicação apenas, mas de levar o resultado para toda a companhia. A reputação passa a ser um dos pilares do negócio e a comunicação ganha dimensão estratégica.”
Com a equipe estruturada é possível realizar o trabalho em até 45 dias, com repetições a cada trimestre ou, pelo menos, duas vezes ao ano. “Não é uma lista de resultados, mas um mapa que conduz a um objetivo claro. A partir da percepção da reputação entre os diferentes públicos com os quais a empresa se relaciona, pode-se abrir mão do negócio ou aperfeiçoar as áreas mais sensíveis”, finaliza Stabile.