Vinícius Basílio/ Forbes
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A relação diplomática entre o Brasil e o Catar tem se transformado em potencial econômico. Desde 2014, o país árabe já investiu US$ 5 bilhões (R$ 27,5 bilhões) no Brasil nos mais variados setores: agronegócio, energia, financeiro, dentre outros. O cônsul do Catar em São Paulo, Almuhannad Ali Al-Hammadi espera que esse valor aumente no futuro. “Sinto que ainda não estamos explorando essas oportunidades da maneira que poderíamos. E acredito que parte do meu trabalho aqui é justamente ligar investidores a oportunidades no Brasil. É por isso que estamos aqui: para fazer mais”, disse, em entrevista à Forbes Brasil.
O primeiro consulado do país na América do Sul, em São Paulo, completa neste mês um ano de abertura. Al-Hammadi aponta que a escolha pelo Brasil na região foi natural, dada as grandes proporções da economia do país. A criação de laços diplomáticos visa não apenas acessar o mercado brasileiro e abri-lo para investimentos, mas também usar o Brasil como um ponto central de atividade do Catar em toda a América do Sul.
É o que vem acontecendo com a operação da estatal Qatar Airways. A primeira linha de comunicação e conexão da companhia aérea na região também foi em São Paulo, onde tem sua sede. Hoje, já passam pela cidade 18 voos por semana, o que vem permitindo à companhia iniciar operações em outros países da região. Neste ano, também foram inaugurados voos para Bogotá e Caracas.
Confira abaixo a entrevista completa com Almuhannad Ali Al-Hammadi, realizada no escritório da Forbes Brasil, sobre os planos de investimento do país árabe no Brasil:
Em quais áreas a relação entre os dois países tende a se aprofundar nos próximos anos?
Não há um setor específico definido para investimentos. A Qatar Investment Authority (QIA) gerencia o fundo soberano do Catar e tem cerca de US$ 530 bilhões (R$ 2,9 trilhões) para investir, o que atualmente o coloca entre a 9º e 10º posição no ranking dos maiores fundos soberanos do mundo.
A QIA está aberta a qualquer oportunidade disponível no Brasil, seja no agronegócio, tecnologia, indústria farmacêutica, energia, hospitalidade — e acredito que a hospitalidade tem grande potencial aqui, já que há poucas marcas internacionais cinco estrelas, o que abre espaço para muitos investimentos. Também vemos oportunidades em esportes e cultura.
Quais são as perspectivas para fortalecer as trocas entre os dois países e ampliar a presença de empresas do Catar no Brasil?
Somos um país pequeno, com 3 milhões de habitantes, e não temos uma grande base industrial. A nossa economia é composta por alguns setores principais com poucas empresas grandes, dentre estatais e privadas. Por exemplo, no setor de energia, existe a Qatar Energy. No bancário, temos dois grandes bancos; o restante é muito pequeno. Em muitos setores industriais, as empresas são majoritariamente estatais.
Então, quando você pergunta se o Catar vai trazer novas empresas para o Brasil, a resposta é: elas já estão aqui. O objetivo na verdade é que a QIA siga adquirindo participações em empresas brasileiras. Se uma empresa é avaliada em US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões), eles compram essa companhia, ou uma parte dela, expandem sua atuação no Brasil e a tornam maior. Em qualquer setor.
Esse é o nosso modelo de investimento. Não temos grandes indústrias próprias, mas temos participações em empresas globais. Um exemplo é a Audi, da qual o Catar possui cerca de 28% na Alemanha — mesmo sem produzir carros. O mesmo vale para o Paris Saint-Germain (PSG): não temos clubes como o PSG no Catar, mas investimos em um time de futebol de sucesso em outro país.
Aqui no Brasil, a lógica é a mesma: investir em empresas brasileiras que já são bem-sucedidas e ajudá-las a crescer ainda mais, via fundo soberano.
Você contou que os negócios da Qatar Airways estão se expandindo na região. Quais são os próximos passos?
Espero que futuramente a companhia abra voos para outras cidades além de São Paulo, como Rio de Janeiro e Brasília. Há um grande volume de passageiros que passam por aqui. Muitos viajantes brasileiros utilizam a nossa capital, Doha, como conexão para ir à África ou, principalmente, para a Ásia.
O próximo passo da Qatar Airways, por conta disso, é tentar atrair mais turistas brasileiros para visitar o Catar. Observamos que há um grande número de pessoas que apenas fazem conexão no país: vão para as Maldivas, Tailândia, Índia, Bangcoc, Turquia, Egito ou outros países da região, passando pelo aeroporto de Doha, um dos melhores do mundo, mas sem entrar no país.
Por isso, com a iniciativa Visit Qatar, estão sendo criados novos incentivos para tornar mais atraente a entrada de turistas brasileiros no país, com pacotes especiais de três a cinco dias durante o trânsito para o destino final, incluindo hospedagem em hotéis cinco estrelas e experiências com a melhor gastronomia, cultura e museus do Catar.
Além da ponte econômica, os intercâmbios culturais também são um objetivo importante do consulado. Como o Catar pretende trabalhar essa dimensão cultural?”
Falamos muito sobre comércio e investimentos quando o assunto é Brasil, e talvez isso seja o mais importante, mas não é a única coisa. Cultura, educação, saúde e esportes também são importantes para nós.
No esporte, por exemplo, realizamos este ano o Global Champions Arabian Tour, um evento de cavalos árabes, em julho, em Indaiatuba, no interior de São Paulo. O evento contou com cerca de 140 cavalos árabes do Brasil, Uruguai e países vizinhos, e atraiu muitos entusiastas. Foi um excelente intercâmbio cultural, já que no Catar temos uma forte tradição e amor pelos cavalos árabes. Esperamos trazer novamente o evento para o país e criar um festival cultural.
Outra iniciativa que estamos considerando é uma exposição de pérolas. Antes de se tornar um país rico em petróleo e gás, a economia do Catar era baseada em pérolas. Nossos avós tiravam seu sustento dessa atividade. As pérolas do Catar estão entre as mais raras e naturais do mundo, assim como as do reino de Bahrein. A joalheria Tiffany, por exemplo, utiliza pérolas qataris em suas joias de alto padrão. Acredita-se que as pérolas da rainha Elizabeth também vieram do Catar ou do reino de Bahrein.