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A explosão das bets no Brasil tornou familiar a ideia de prever resultados e lucrar com isso. No primeiro semestre de 2025, em torno de 17,7 milhões de brasileiros realizaram apostas esportivas, segundo o Ministério da Fazenda.
Enquanto por aqui as apostas esportivas dominam telas e patrocínios, nos Estados Unidos ganham força os mercados de previsão — plataformas reguladas que transformam eventos econômicos e políticos em contratos negociados como ativos financeiros.
É nesse segmento que atua a Kalshi, cofundada pela brasileira Luana Lopes Lara, 29 anos, e Tarek Mansour, também de 29 anos. Os dois entraram para o clube dos bilionários depois que a empresa de mercado de previsões levantou US$ 1 bilhão (R$ 5,33 bilhões), atingindo uma avaliação de US$ 11 bilhões (R$ 58,63 bilhões).
A avaliação da Kalshi, que permite aos usuários apostar no resultado de eventos futuros, como eleições, jogos esportivos e acontecimentos da cultura pop, aumentou mais de cinco vezes em menos de seis meses. Isso elevou o patrimônio líquido dos cofundadores, que detêm cada um cerca de 12% da empresa, para US$ 1,3 bilhão (R$ 6,93 bilhões) cada um. Luana assim se tornou a bilionária que construiu sua própria fortuna mais jovem do mundo.
Apesar de, à primeira vista, parecer que Kalshi e as Bets jogam no mesmo campo por lidarem com “previsão”, os dois segmentos têm muitas diferenças entre si. Um opera como entretenimento e jogo — regido por regras específicas de apostas esportivas. O outro, os prediction markets funcionam como um “mercado financeiro regulado”, supervisionado por autoridades federais e usado para medir probabilidades que influenciam empresas e investidores.
Bets X Mercados de previsão
O termo “bet” é a abreviação de “betting”, o ato de apostar dinheiro em um resultado incerto. No Brasil, o uso mais comum refere-se às apostas esportivas de quota fixa, legalizadas e regulamentadas pelo governo federal.
Nesse caso, significa que a odd (a taxa de pagamento) é definida antes de você apostar — e não muda para aquela aposta depois que você confirmar o valor.
Nas regras, o apostador sabe o quanto pode ganhar, a casa assume o risco e o jogador está negociando contra a casa, não contra outras pessoas. Para jogar, o usuário aposta em um evento esportivo — gols, vencedor, desempenho de um jogador — a plataforma define a odd e se o resultado se confirmar, o usuário recebe o prêmio; se não, perde o valor apostado.
Já os mercados de previsão (ou prediction markets) são plataformas em que os participantes compram e vendem “contratos” cujo valor reflete a probabilidade de um evento ocorrer.
Essas ocasiões podem ser decisões econômicas, indicadores macroeconômicos, resultados de eleições, decisões regulatórias, entre outras. Na prática, os participantes compram e vendem contratos que pagam um valor fixo se o evento ocorrer. A partir daí, o preço dos contratos oscila conforme a percepção do mercado sobre a probabilidade da ocasião.
É o caso da Kalshi, autorizada pela Commodity Futures Trading Commission (CFTC) — a mesma agência que regula derivativos e futuros nos EUA. A ideia é que, quando muitas pessoas negociam com a informação, o preço final dos contratos expressa a melhor estimativa coletiva sobre o futuro.
Como funcionam?
A prática de apostar em resultados políticos ou esportivos é antiga nos Estados Unidos — registros mostram que esse hábito existe desde os anos 1800. O modelo contemporâneo de mercados de previsão, em que as pessoas negociam contratos que pagam “sim” ou “não” conforme um evento futuro se concretiza, só surgiu quase cem anos depois, em 1988, em um projeto acadêmico da Universidade de Iowa.
Plataformas pioneiras como Intrade e PredictIt chegaram ao público nos anos 2010, mas enfrentaram entraves regulatórios e dificuldades para ganhar escala. Já a Kalshi protagonizou um marco histórico em 2024. Após decisão judicial, passou a ter autorização para listar contratos futuros ligados à eleição presidencial.
Com a liberação, o número de usuários da Kalshi alcançou 2 milhões de negociadores que, juntos, movimentaram mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) antes da noite eleitoral nos EUA. Na plataforma rival Polymarket, o volume destinado aos contratos sobre Donald Trump e Kamala Harris ultrapassou US$ 3,6 bilhões (R$ 19,1 bilhões).
No mercado de previsão, a companhia ganha dinheiro cobrando taxas em cada contrato comprado ou vendido. O preço de cada acordo está ligado à probabilidade percebida de um evento, variando de US$ 0,01 (R$ 0,05) a US$ 0,99 (R$ 5,27).
Ou seja, comprar um contrato de US$ 0,10 (R$ 0,53), gera uma taxa de US$ 0,01 ou 10%. Pagar US$ 50,00 (R$ 266,00) por cem contratos de “sim”, gera uma taxa de US$ 1,75 (R$ 9,30), ou 3,5%.
A Kalshi também cobra 2% em depósitos via cartão de débito e uma taxa fixa de US$ 2,00 (R$ 10,60) para saques.
Além dos mercados de previsão regulados pela CFTC, existem outros formatos que funcionam em diferentes graus de legalidade e supervisão. Um deles são os mercados de previsão descentralizados, baseados em blockchain, como o Polymarket.
Nesse modelo, os contratos são negociados sem uma autoridade central, permitindo que os usuários criem e comprem previsões sobre qualquer tema — de eventos climáticos a eleições — com liquidez fornecida pela própria comunidade da rede.
Mesmo sendo popular internacionalmente, esse mercado não é considerado legalizado e já foi alvo de ações da CFTC.
Regras e regulamentações
Os prediction markets são legalizados em países como Estados Unidos, Nova Zelândia e algumas outras jurisdições. Cada nação tem seus entraves regulatórios e trata esse tipo de plataforma de maneira particular, levando em conta sua legislação sobre jogos e mercados financeiros. No Brasil, os mercados de previsão não são autorizados, já que a legislação não classifica essa categoria.
No caso dos EUA, como já explicado, a maior parte dos mercados de previsão legalmente operantes no país é supervisionada pela CFTC, a agência federal que regula mercados de derivativos, futuros e swaps desde a década de 1970.
As plataformas como a Kalshi são registradas como Designated Contract Markets (DCM), ou seja, exchanges autorizadas a negociar contratos regulados. A CFTC verifica se os contratos estão de acordo com as leis federais, incluindo o Commodity Exchange Act (CEA) — que estabelece critérios para prevenir manipulação de preços, proteger investidores e definir quais tipos de eventos podem ou não ser transformados em contratos negociáveis.
Para operar, a plataforma segue exigências, como o registro e licenciamento federal junto à CFTC, regras de integridade de mercado, incluindo transparência de preços e proteção contra manipulação, políticas de prevenção à fraude e lavagem de dinheiro, proteção de fundos dos usuários, regras de liquidação de contratos, idade mínima para participantes e auditorias constantes para a agência reguladora.
As plataformas regulamentadas devem estabelecer mecanismos para detectar manipulação de preços ou negociações suspeitas. As empresas também precisam manter registros de todas as transações e reportá-los quando necessário pela CFTC e implementar sistemas de controle de risco para proteger a liquidez e a segurança do mercado. A ideia é tratar esses contratos como instrumentos financeiros regulamentados — não como jogo.
Embora a CFTC supervise, há limites sobre quais tipos de eventos podem ser oferecidos em mercados de previsão. A agência federal pode bloquear contratos que considere contrários ao interesse público ou que envolvam categorias proibidas pelo CEA.
Além disso, situações envolvendo terrorismo, assassinatos ou outras categorias sensíveis podem ser vetados. As regras também permitem que plataformas listem eventos como esportes e entretenimento desde que a CFTC não atue para barrá-los.