Crédito, BBC / Paulo Koba
- Author, José Carlos Cueto
- Role, Correspondente da BBC News Mundo na Colômbia
- Author, Ione Wells
- Role, Correspondente da BBC News na América do Sul
A família de Alejandro Carranza, colombiano que supostamente foi morto durante um ataque dos Estados Unidos contra uma embarcação no Caribe, apresentou uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington D.C (capital americana).
O jornal britânico The Guardian divulgou a informação, confirmada pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) por meio do advogado e ativista Daniel Kovalik, representante legal da família e do presidente colombiano, Gustavo Petro, crítico das políticas de seu colega americano, Donald Trump.
“Em 15 de setembro de 2025, militares dos EUA bombardearam o barco de Alejandro Carranza Medina (…) que navegava no Caribe vindo da costa da Colômbia. Carranza morreu durante o bombardeio”, afirma a denúncia apresentada.
Ao menos 83 pessoas morreram desde setembro em ataques ordenados pelo governo Trump contra embarcações no Caribe e no Pacífico sul supostamente carregadas de drogas, como parte de uma campanha contra o narcotráfico.
O governo dos EUA justifica a campanha militar como necessária para salvar vidas americanas ao impedir a entrada de drogas no país.
Especialistas, porém, afirmam que os ataques podem ter violado o direito internacional.
Por semanas, o presidente colombiano e a família de Carranza denunciaram publicamente o desaparecimento dele e atribuíram o caso às ações dos EUA, embora seu corpo não tenha sido encontrado e as evidências sejam limitadas.
O caso de Carranza, junto com o do colombiano Jeison Obando Pérez e do equatoriano Andrés Fernando Tufiño Chila, sobreviventes de outro ataque ocorrido em 16 de outubro, são os únicos em que vieram a público os nomes de supostas vítimas dos ataques.
O advogado da família de Carranza espera que sua petição abra caminho para que mais famílias se manifestem e que novas evidências sobre seu desaparecimento venham a público.
Semanas de denúncia
Carranza, 42, se despediu da família na manhã de 14/09 antes de zarpar com seu barco, como fazia normalmente, segundo declarou à imprensa estatal colombiana seu primo Audenis Manjarres.
De acordo com esse relato, Carranza saiu do departamento colombiano de La Guajira, na fronteira com a Venezuela, no Caribe.
No dia seguinte, Trump anunciou um ataque em águas internacionais contra uma embarcação que havia saído da Venezuela e afirmou que os três tripulantes haviam morrido.
Desde então, a sobrinha de Carranza, Lizbeth Pérez, não tem notícias do tio.
Pérez disse à BBC que os cinco filhos de Carranza sentem falta do pai e que a família espera ansiosa por respostas, sem saber sequer se o colombiano estava de fato na embarcação durante o ataque.

Crédito, MARCO PERDOMO/AFP via Getty Images
“A verdade é que não sabemos se era ele. Não temos provas de que era ele, além do que vimos nas notícias”, afirmou Pérez.
Em meados de setembro, Petro, presidente da Colômbia, denunciou que ao menos um dos diversos ataques dos EUA no Caribe havia atingido uma embarcação colombiana com cidadãos do país a bordo.
Petro inicialmente se baseou em “indícios”, sem dar mais detalhes, e até agora o governo não apresentou evidências, apesar do pedido enviado pela BBC News Mundo.
Em 18/10, uma reportagem do veículo estatal RTVC afirmou que Carranza, identificado como pescador, estava em um dos barcos atacados.
Petro reforçou suas denúncias após a publicação da reportagem e acusou os EUA de violar a soberania da Colômbia e cometer um assassinato.
Trump respondeu suspendendo pagamentos e subsídios para a Colômbia e, dias depois, sancionando Petro por supostos vínculos com o narcotráfico.
Pérez (sobrinha de Carranza) disse à BBC que Carranza “era um homem amável, uma boa pessoa, um amigo; um bom pai, tio e filho”.
“Ele era uma pessoa alegre. Amava seu trabalho e a pesca”, acrescentou a sobrinha da suposta vítima.
A família de Carranza é numerosa. Cerca de 20 parentes vivem em uma pequena casa no vilarejo pesqueiro de Gaira.
Depois de identificá-lo inicialmente como pescador, Petro afirmou no início de novembro que Carranza queria ajudar a filha a ingressar na universidade e, por isso, aceitou o pagamento de um narcotraficante para transportar drogas até uma ilha.
Foi então que a embarcação dele foi atingida, segundo o presidente da Colômbia.
“Não sabemos se ele transportava peixe ou cocaína, mas (…) ele não estava sob pena de morte e não tinham por que tê-lo assassinado”, disse Petro.
A imprensa colombiana noticiou o suposto passado criminal de Carranza, que incluiria o roubo de armas da polícia nove anos atrás.
A família nega essas informações e disse que sofre ao vê-lo retratado como narcotraficante.

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Segundo Kovalik, advogado da família, embora o governo Trump defenda que os ataques miram narcotraficantes, “isso não dá o direito de realizar execuções extrajudiciais”.
“São barcos pequenos… se realmente acreditam que essas pessoas estão fazendo algo errado, elas deveriam ser presas, processadas em um tribunal, consideradas culpadas e sentenciadas”, acrescentou o advogado.
Kovalik compartilhou com a BBC News Mundo o documento da denúncia.
O texto aponta Pete Hegseth, secretário de Defesa dos EUA, como o responsável por ordenar bombardeios como o que teria matado Carranza.
Ao ser questionado sobre provas de que a morte de Carranza ocorreu nas condições descritas, Kovalik citou o depoimento de uma testemunha mencionada na petição à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja identidade pediu para proteger.
“Quando a testemunha viu o vídeo do bombardeio, ela teve certeza de que era o tipo de barco que Alejandro usava e de que era Alejandro. Os horários também coincidiam. Obviamente isso não é uma prova definitiva, mas é uma boa evidência”, disse Kovalik.
Suspense
Kovalik está otimista quanto ao alcance de sua denúncia na Corte Interamericana de Direitos Humanos e acredita que o caso possa encorajar outras famílias a se manifestarem e tornarem públicas os desaparecimentos de seus parentes.
Enquanto isso, os ataques dos EUA deixam pescadores em águas sul-americanas com medo de serem confundidos com narcotraficantes em alto-mar.
O governo americano afirma que os EUA estão “ameaçados” por “organizações terroristas” e que as drogas matam milhares de seus cidadãos.
A agência antidrogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês) informa que as apreensões de cocaína — a droga mais produzida e traficada na América do Sul — aumentaram 18% em 2024 em comparação ao ano anterior.
O fentanil, porém, é a substância que mais provoca mortes nos EUA e é produzida e enviada ao país a partir do México.
Muitos na América do Sul não acreditam que o objetivo da operação militar dos EUA no Caribe sejam as supostas “narcolanchas“, mas sim pressionar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, a deixar o poder.
Os EUA acusam Maduro de chefiar uma organização criminosa chamada Cartel de los Soles (Cartel dos Sóis, em espanhol), algo que o venezuelano nega.
Trump afirmou na terça-feira (02/12) que os EUA vão começar a realizar “ataques por terra”, que podem ter como alvo a Venezuela ou qualquer país que considere produtor ou vendedor de drogas ilegais ao território americano.
O suspense permanece na região diante de um desfecho imprevisível.