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Imagine uma empresa privada investindo bilhões de dólares em megafoguetes ainda não testados, enquanto promove metas ambiciosas, e que, de repente, passa a ser avaliada em US$ 800 bilhões (R$ 4,352 trilhões).
Esse é um valor superior ao que a Apple valia há uma década, além de ser maior do que o PIB da maioria dos países. Isso representa a SpaceX hoje.
Em dezembro de 2025, uma oferta secundária interna avaliou as ações em US$ 421 (R$ 2.290,24), o que praticamente dobrou o valor de mercado da empresa em apenas cinco meses e reacendeu especulações sobre um possível IPO de grande porte já em 2026.
Essa avaliação não está baseada apenas na capacidade atual de geração de receita. Trata-se, sobretudo, de uma aposta no domínio futuro da companhia.
Atualmente, a SpaceX lança mais carga útil em órbita do que o resto do mundo somado, respondendo por mais de 60% da massa global enviada ao espaço e realizando a ampla maioria das missões orbitais bem-sucedidas.
Diante disso, além do impulso recente e das ambições declaradas, o que exatamente a SpaceX faz para justificar uma avaliação desse porte?
Negócio de lançamentos e a vantagem da reutilização
O núcleo do modelo de negócios da SpaceX está na oferta de acesso ao espaço de forma muito mais barata e confiável do que qualquer concorrente. Seus foguetes reutilizáveis Falcon 9 e Falcon Heavy transformaram de maneira permanente a economia dos lançamentos orbitais.
Ao pousar e reutilizar de forma recorrente os estágios iniciais desses veículos, a empresa construiu um quase monopólio em serviços de lançamento frequentes e de baixo custo. Esse diferencial operacional fica evidente no ritmo de crescimento: a SpaceX caminha para superar 170 lançamentos neste ano — incluindo missões internas da Starlink e contratos comerciais — frente a cerca de 95 lançamentos em 2023.
Paralelamente, o setor espacial vem migrando de iniciativas pontuais lideradas por governos para missões impulsionadas por empresas e capital privado, voltadas a comunicações, dados e segurança nacional.
Nesse novo cenário, a SpaceX se posicionou como fornecedora padrão de lançamentos, firmando contratos com a NASA e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, além de liderar implantações comerciais de satélites.
A receita com lançamentos cresceu de um valor estimado de US$ 3,5 bilhões em 2023 (R$ 19,04 bilhões) para US$ 4,2 bilhões em 2024 (R$ 22,848 bilhões), embora a expectativa seja de relativa estabilidade em 2025, à medida que a capacidade seja direcionada cada vez mais para missões internas da Starlink.
Esse domínio tornou-se ainda mais evidente dentro de programas governamentais. Após sucessivas falhas técnicas da cápsula Starliner, da Boeing, os astronautas da NASA Sunita Williams e Butch Wilmore retornaram à Terra a bordo da Crew Dragon, da SpaceX, evidenciando que a empresa deixou de ser apenas uma contratada para se tornar o sistema de referência em voos espaciais tripulados confiáveis.
Enquanto isso, concorrentes tradicionais, como a United Launch Alliance, e novos entrantes, como a Blue Origin, seguem desenvolvendo sistemas totalmente reutilizáveis, mas permanecem atrás da SpaceX em frequência de lançamentos, cadência operacional e tecnologia comprovada em voo.
Como resultado, os clientes contam com poucas alternativas viáveis em larga escala, o que reforça o papel da SpaceX como uma infraestrutura essencial para o acesso orbital.
Starlink: o futuro das telecomunicações globais e da receita recorrente
A Starlink, serviço de internet via satélite da empresa, vem sendo vista cada vez mais como uma utilidade global de telecomunicações baseada em assinaturas.
O mecanismo atende usuários residenciais em áreas remotas ou com cobertura limitada, além de aplicações de maior valor agregado, como aviação e transporte marítimo. Esse segmento representa o principal motor de crescimento de longo prazo da empresa, oferecendo um fluxo de receita recorrente e previsível — modelo de retorno que investidores tendem a valorizar.
O número de assinantes da Starlink saltou de aproximadamente 2,3 milhões em 2023 para 4,6 milhões em 2024, alcançando 8 milhões em novembro de 2025. Essa rápida expansão operacional tende a se traduzir em liderança financeira.
A projeção é que a receita com assinaturas da Starlink ultrapasse US$ 10 bilhões em 2025 (R$ 54,4 bilhões). Ou seja, dois terços da receita total da SpaceX no ano.
A empresa também avança em outros segmentos rentáveis de conectividade, incluindo o lançamento do serviço Direct-to-Cell, que permite a conexão direta de satélites com celulares convencionais. Além disso, o Starshield — programa de satélites voltado ao governo e baseado na arquitetura da Starlink, porém adaptado a missões de segurança nacional — deve se tornar uma fonte relevante de crescimento.
Esse conjunto de iniciativas e contratos governamentais respondem por uma receita estimada de US$ 2 bilhões em 2024 (R$ 10,88 bilhões).
Data centers orbitais e logística viabilizada pela Starship
Uma parte expressiva do prêmio embutido na avaliação da SpaceX reflete a aposta de que suas tecnologias de lançamento e comunicação permitirão negócios além da conectividade, especialmente nas áreas de computação e logística.
A empresa planeja implantar data centers orbitais utilizando satélites Starlink V3 a partir de aproximadamente 2026, viabilizando computação distribuída voltada à inteligência artificial.
Esses data centers no espaço oferecem vantagens estruturais, como uso contínuo de energia solar, resfriamento passivo altamente eficiente graças ao vácuo e interligações a laser que permitem computação de IA rápida, resiliente e altamente escalável. A estratégia pode colocar a SpaceX à frente de grandes iniciativas tecnológicas, como os protótipos previstos pelo Google para 2027.
A nave Starship, por sua vez, pode viabilizar o transporte ponto a ponto na Terra, utilizando um veículo totalmente reutilizável para levar passageiros e cargas de alto valor entre grandes cidades do mundo em menos de uma hora.
Caso esse modelo se concretize, a empresa poderá capturar uma fatia dos mercados globais de logística e viagens premium, avaliados em trilhões de dólares, contribuindo de forma relevante para o aumento de valor no longo prazo.
Entendendo o múltiplo de 50 vezes receita
A avaliação da SpaceX em US$ 800 bilhões (R$ 4,352 trilhões), frente a uma receita estimada de US$ 15 bilhões em 2025 (R$ 81,6 bilhões), implica um múltiplo Preço/Vendas (P/S) de 53 vezes — um patamar elevado e raro fora de empresas de tecnologia em hiper-crescimento.
O que os investidores estão comprando não é apenas uma única linha de negócios, mas uma plataforma integrada única.
A SpaceX controla o acesso à órbita, opera a maior constelação de satélites já construída por meio da Starlink, desenvolve capacidades de lançamento pesado totalmente reutilizáveis com a Starship e explora data centers orbitais e transporte terrestre ultrarrápido. Nenhuma empresa estabelecida ou startup chega perto dessa amplitude de atuação.
- Domínio em lançamentos: a reutilização dos foguetes Falcon já garante o menor custo por quilo em órbita; a Starship busca ampliar ainda mais essa vantagem, consolidando um quase monopólio na logística espacial.
- Escala da Starlink: a receita recorrente por assinatura — motor de alta margem — cresce rapidamente. Ela avançou mais de 90% em 2024, atingindo US$ 6,4 bilhões (R$ 34,816 bilhões), e pode crescer cerca de 60% adicionais em 2025, chegando a aproximadamente US$ 10 bilhões (R$ 54,4 bilhões), impulsionada pelo aumento de assinantes e pela estabilidade do ARPU. Esse tipo de receita é altamente valorizado pelo mercado.
- Opcionalidades futuras: a Starship abre espaço para oportunidades especulativas de alto valor, como transporte ponto a ponto na Terra e data centers orbitais.
O múltiplo elevado não se resume a entusiasmo excessivo — ele incorpora o risco de execução de um modelo verticalmente integrado que combina um monopólio de infraestrutura com um grande serviço de assinatura voltado ao consumidor, com poucos paralelos históricos diretos.