Não faz muito tempo, o Bitcoin era divulgado como o diversificador definitivo — um ativo supostamente imune ao que quer que estivesse acontecendo nos mercados acionários. Trabalhos acadêmicos iniciais apoiavam essa ideia: Liu e Tsyvinski (2021) mostraram que as principais criptomoedas tinham exposição mínima aos fatores de risco padrão de ações, títulos e câmbio, e que seus retornos eram principalmente impulsionados por forças específicas do mercado cripto, como momentum e atenção dos investidores, não pelos mercados acionários.
Avançando para os últimos anos, a história agora parece muito diferente. Uma literatura crescente mostra que cripto e ações estão fortemente entrelaçados, especialmente durante períodos de estresse. Para um público de fintech, a mensagem-chave é simples: você não pode mais tratar cripto como um risco “fora do sistema”. Ele se comporta cada vez mais como um setor de tecnologia de alta beta — com alguns comportamentos extremos adicionais.
De “não correlacionado” a “apenas mais um ativo arriscado”
Uma revisão recente de Adelopo et al. (2025) analisa as evidências sobre como criptomoedas interagem com mercados financeiros tradicionais. Eles documentam ligações claras, variáveis ao longo do tempo e não lineares entre cripto e mercados acionários, com conexões particularmente fortes durante grandes eventos macro e geopolíticos, como a COVID-19 ou a guerra Rússia–Ucrânia.
Estudos focados especificamente em ações de tecnologia e empresas ligadas à blockchain confirmam isso. Umar et al. (2021) encontram forte interconexão entre mercados de criptomoedas e o setor de tecnologia, enquanto Frankovic (2022) mostra que empresas australianas “ligadas a criptomoedas” sofrem impactos significativos de retornos provenientes dos preços de cripto, especialmente para firmas mais envolvidas em atividades blockchain. Em outras palavras, ações listadas tornaram-se um canal de transmissão de risco cripto.
O que as evidências mais recentes mostram
Vários estudos recentes tornam explícita a ligação “cripto ↔ ações”:
- Transbordamentos globais: Vuković (2025) usa um Modelo VAR Global Bayesiano para mostrar que choques adversos originados no mercado de criptomoedas deprimem mercados acionários, índices de títulos, taxas de câmbio e índices de volatilidade em vários países — não apenas nos EUA.
- Co-movimento ações–cripto: Ghorbel e coautores (2024) estudam a conexão entre grandes criptomoedas, índices acionários do G7 e ouro. Eles descobrem que as criptomoedas se tornaram importantes emissoras e receptoras de choques, com laços mais fortes com ações nos últimos anos e especialmente em períodos turbulentos.
- Mercados acionários dos EUA e da China: Lamine et al. (2024) analisam transbordamentos entre ações dos EUA/China, criptomoedas e ouro. Eles identificam spillovers dinâmicos significativos de cripto para esses mercados acionários, novamente concentrados em episódios de alta volatilidade.
- Contágio ao nível das bolsas: Sajeev et al. (2022) documentam um efeito de contágio do Bitcoin sobre grandes bolsas de valores (NSE Índia, Xangai, Londres e Dow Jones), usando análises de volatilidade e correlação de 2017–2021.
Organizações internacionais contam a mesma história. Um documento do FMI sobre “Spillovers Entre Cripto e Mercados Acionários” encontra que choques do Bitcoin podem explicar uma parcela não trivial (aprox. meia dúzia de porcento até a faixa dos dois dígitos) da variação da volatilidade acionária global — e que essa influência aumentou ao longo do tempo conforme os mercados institucionais e derivativos amadureceram.
A conclusão comum: cripto está agora firmemente embutida no ecossistema global de risco.
Por que tecnologia e cripto agora se movem juntas
Por que o Bitcoin agora se parece tanto com uma ação de tecnologia de alta beta?
- Duração e sensibilidade a juros: Tanto cripto quanto ações de crescimento são essencialmente apostas em fluxos de caixa futuros incertos ou valor de rede. Quando as taxas reais sobem, o desconto machuca — e ambos os setores caem juntos.
- Base de investidores e alavancagem: Negociação varejista, estratégias de momentum e derivativos são amplamente usados em ambos os mercados. Produtos como futuros, opções e ETFs alavancados permitem que choques em um mercado sejam ampliados e replicados no outro.
- Construção de portfólio institucional: Conforme cripto foi adicionada a carteiras multiativos e de hedge funds, seus retornos tornaram-se inevitavelmente entrelaçados com o posicionamento cross-asset tradicional. Quando fundos reduzem risco, tudo no “balde arriscado” sai junto.
O que isso significa para portfólios e gestão de risco
Para construção de portfólio, a mensagem é desconfortável, mas clara:
- Cripto ainda diversifica em períodos tranquilos — correlações podem permanecer moderadas em condições benignas.
- Mas durante estresse, quando a diversificação é mais valiosa, correlações e spillovers disparam.
- Bitcoin e grandes altcoins se comportam menos como “ouro digital” e mais como proxies alavancados do sentimento de risco global.
Isso não torna cripto inútil como investimento — mas significa que tratar uma alocação de 5–10% em cripto como “upside não correlacionado” já não é defensável com base nos dados.
Olhando adiante, uma questão em aberto para acadêmicos e profissionais é se ETFs spot e adoção institucional mais ampla vão estreitar ainda mais essas ligações, ou se um novo caso de uso (como adoção real para pagamentos ou liquidação) poderia reintroduzir fatores mais idiossincráticos.
Por ora, as evidências apontam em uma direção: quando os mercados globais pegam um resfriado, cripto não fica de fora — ela tosse junto com todo mundo.
Sobre o autor
O professor Andrew Urquhart é Professor de Finanças e Tecnologia Financeira e Chefe do Departamento de Finanças da Birmingham Business School (BBS).
Referências acadêmicas selecionadas
Adelopo, I., et al. (2025). “Interconnectedness among cryptocurrencies and financial markets: A review.” Financial Innovation. SpringerLink.
Frankovic, J. (2022). “On spillover effects between cryptocurrency-linked stocks and cryptocurrencies.” Global Finance Journal, 54, 100719. https://doi.org/10.1016/j.gfj.2021.100719 IDEAS/RePEc.
Ghorbel, A., et al. (2024). “Connectedness between cryptocurrencies, gold and stock markets: A network approach.” European Journal of Management and Business Economics, 33(4), 466–489. Econstor.
IMF (2022). Spillovers Between Crypto and Equity Markets. IMF Departmental Paper. IMF eLibrary.
Lamine, A., et al. (2024). “Spillovers between cryptocurrencies, gold and stock markets.” Journal of Economics, Finance and Administrative Science, 29(57), 21–40. Emerald.
Liu, Y., & Tsyvinski, A. (2021). “Risks and Returns of Cryptocurrency.” Review of Financial Studies, 34(6), 2689–2727. https://doi.org/10.1093/rfs/hhaa113 OUP Academic.
Sajeev, K. C., et al. (2022). “Contagion effect of cryptocurrency on the securities market.” Journal of Economic Studies, 49(7), 1390–1410. PubMed Central.
Umar, Z., Kenourgios, D., & Papathanasiou, S. (2021). “Connectedness between cryptocurrency and technology sectors: Evidence from implied volatility indices.” Finance Research Letters, 38, 101492. ScienceDirect.
Vuković, D. B., et al. (2025). “Spillovers between cryptocurrencies and financial markets.” Journal of International Money and Finance, 150, 102963. IDEAS/RePEc.
* Traduzido e editado com autorização do Decrypt.
Procurando uma alternativa para aumentar seus ganhos? A Renda Fixa Digital do MB é a solução: até 18% de ganho ao ano, risco controlado e a segurança que seu dinheiro merece. Conheça agora!