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sábado, dezembro 13, 2025

Desordem e progressão

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A palavra do ano, para a equipe do dicionário Cambridge, foi parassocial (aquela sensação de intimidade — não recíproca — com figuras públicas). O Oxford veio de rage bait (conteúdo criado para gerar engajamento na força do ódio). No Brasil, segundo a consultoria Cause e o instituto de pesquisa Ideia, foi “incerteza”. Eu teria votado em “progressão”, com novo sentido, o de retrocesso.

Na cadeia, progressão é o regime que permite ao condenado cumprir apenas 1/6 da pena. Na escola, o que empurra o aluno adiante, mesmo que ele não tenha aprendido nada. É o Estado não educando no sistema educacional nem reeducando no sistema penitenciário. A aposta é que o aluno incapaz de entender a tabuada do 2 se recupere magicamente mais tarde, quando chegar à tabuada do 7. Que o criminoso adquira, na rua, os princípios morais que lhe faltavam antes do curto estágio de confinamento.

Ambas as progressões são bem-intencionadas: não fazer da reprovação um atestado de fracasso, favorecer a ressocialização. Na prática, são uma pedagogia do faz de conta. Uma adia o insucesso, a outra induz à reincidência. O resultado é o analfabetismo funcional, a sensação de impunidade. Os que roubaram os pensionistas do INSS logo estarão soltos (isso se um dia chegarem a ser presos). Idem para o político corrupto ou golpista, para o homicida, o traficante, o miliciano.

Quando o poder público se omite, o desejo de justiça, inerente ao ser humano, vira sanha de justiçamento. Nas redes sociais não faltam vídeos de reações violentas a assaltos e de espancamento de assaltantes e estupradores — a maioria com comentários do tipo “vídeo satisfatório”, “cervejinha cancelada com sucesso”, “quem tem dó é piano”, “adoro finais felizes”. É a sociedade se adaptando “à subsombra desumana dos linchadores”.

Recentemente, um juiz do Rio mandou soltar um “suspeito” de 21 anos, com 86 passagens pela polícia (preso sete vezes nos últimos três anos) e seu comparsa. O argumento:

— Não se pode presumir que os acusados retornarão a delinquir, posto que no Estado Democrático de Direito não há espaço para exercício de futurologia.

A 87ª prisão (quem diria!) veio cerca de um mês depois. Uma juíza de Goiás liberou outro “suspeito”, com histórico de homicídio, porte ilegal de arma, roubo e tráfico.

— Você de novo, Kaique? Me ajuda a te ajudar — pediu a magistrada, na audiência de custódia.

Solto, o rapaz, também de 21 anos, foi morto seis meses depois, em confronto com a polícia. Ter sido posto em liberdade certamente não o ajudou muito.

Toda a justa indignação pela quantidade de feminicídios e de atos de violência contra a mulher deveria vir acompanhada de uma reflexão sobre a política de devolver prematuramente os agressores às ruas e sobre o que leva tantos homens a se sentir seguros para fazer o que fazem. Talvez incivilidade, por falta de educação, em casa e na escola. Talvez a certeza de impunidade.

O lema positivista que inspirou o dístico da bandeira nacional era “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. O amor ficou de fora logo de cara. A ordem foi confundida com autoritarismo e desdenhada. Sobrou o progresso, aquela marcha inexorável rumo a um mundo melhor — que pegou um retorno, ganhou um aumentativo e deu nisso: bandido bom é bandido solto x bandido bom é bandido morto, e a escola como tempo jogado fora entre a matrícula e o diploma.

[Fonte Original]

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