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segunda-feira, dezembro 15, 2025

Flor da exceção

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Tenho uma filha. Ela se chama Beatriz e tem 5 anos. Uma das coisas que desenvolvi ao longo da jornada da paternidade foi a habilidade de tentar ver o mundo a partir dos olhos dela. Isso me fez crescer como pessoa e como homem. Também trouxe algumas reflexões, que hoje gostaria de compartilhar.

No Dia da Criança, dei a ela uma bicicleta linda. Pesquisei, juntei dinheiro para comprar, montei e fomos para o parque andar. Aí surge um pensamento intrusivo: dados do Strava, de 2023, revelam que, no mundo, mulheres passam 55% menos tempo pedalando que os homens. No Brasil, esse número chega a 37%, em linha com a disparidade de gênero observada globalmente. Um dos motivos relevantes para essa diferença é o assédio e a importunação sexual. Segundo o Perfil do Ciclista Brasileiro de 2024, pesquisa realizada pela Transporte Ativo, em São Paulo 65,7% das mulheres, e em Belém 67,7% já sofreram algum tipo de agressão ou importunação enquanto pedalavam. Então, será que realmente vale a pena ensinar algo que ela dificilmente usará quando estiver mais velha?

Ela acabou de se formar no ensino infantil e foi a única criança que ganhou um buquê de flores. Quando cheguei com o presente, a surpresa foi geral, inclusive minha, de não haver mais ninguém com o mesmo gesto. Bia recebe flores desde que fez 1 aninho, e todo ano é assim. Acho muito sintomático e representativo ter se tornado fato tão raro. Valorizar uma menina, desde tão pequena, ajuda a construir uma adulta com boa autoestima e confiante para ir atrás daquilo que deseja, sem se contentar com qualquer coisa.

Uma sociedade que não olha para essas crianças verdadeiramente torna suas vidas descartáveis, e tragédias são visíveis diariamente.

Aí, Andressa, em 2021, cai da bicicleta depois de um homem passar a mão nela enquanto trafegava na rua. Em agosto deste ano, outro homem desferiu 60 socos na Juliana dentro de um elevador. Dos casos mais recentes, tivemos como vítimas Tainara e Evelyn, infelizmente. Em 2024, o Brasil bateu recorde de feminicídios: 1.492 casos.

Falamos de um país onde a tese da legítima defesa da honra do agressor depois de uma suposta traição — usada para justificar crimes contra mulheres, como o feminicídio — foi oficialmente retirada do sistema jurídico apenas em 2021.

No ano passado, a pena para feminicídio foi aumentada para 20 a 40 anos de reclusão pelo Pacote Antifeminicídio, que também criou novas agravantes (como a prática durante a gestação ou na presença de filhos) e trouxe exigências mais rígidas para progressão de regime, endurecendo o tratamento penal para esses crimes contra a mulher.

Precisamos, porém, atuar nas duas frentes: os crimes têm de ser efetivamente punidos, e as instituições devem funcionar concretamente, saindo das notas de repúdio das redes sociais. É imprescindível assumir nossa responsabilidade lá na gênese de tudo, para que a minha pequena Bia não cresça num mundo sendo sempre uma exceção.

[Fonte Original]

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