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domingo, dezembro 21, 2025

Por que é tão fácil ficar triste em dezembro e o que fazer para lidar com a ‘depressão de Natal’

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Ruas enfeitadas, compromissos multiplicados e uma certa pressa de dar conta de todas as demandas antes do fim do mês são aspectos absolutamente tradicionais do mês de dezembro. O encerramento do ano, porém, traz consigo mais do que festividades para algumas pessoas, trata-se de um período que pode ser difícil de atravessar, por conta da carga emocional que carrega, dizem especialistas em psicologia e psiquiatria ouvidos pelo GLOBO. Nos consultórios, não é raro alguém relatar tristeza, tensão e ansiedade impulsionados pelo clima das últimas semanas.

Parte desses sentimentos é provocada por características particulares dessa época, dizem os especialistas: a sensação de que não será possível dar conta de tudo antes do réveillon, o balanço das frustrações ao longo do ano e a proximidade de conflitos com a família e separações. Para alguns, esses aspectos tornam-se pesados demais para carregar.

— Além de ser algo comum, não é um quadro clínico que a gente possa falar assim: é uma depressão de fim de ano — diz o médico psiquiatra Arthur Guerra, autor do livro “Você aguenta ser feliz” (Sextante) e colunista do GLOBO. — Não é uma depressão clássica. O que existe, na realidade, é o agravamento de sintomas ou de um quadro que já vinha ocorrendo durante o ano. A pessoa fica chateada, com menos energia, muda o sono. Ela não se conecta com esse clima de festas. Está todo mundo feliz, fazendo conexões e ela está mais afastada.

Não se trata de um efeito ligado apenas à pressa de dar conta de tudo. A “datação simbólica” como chamou o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, também tem seu papel. O encerramento de ciclo, promovido principalmente pelo Natal, pode guardar suas dores. E a tradição de comemorar com a família pode reavivar conflitos “arqueológicos”, como classificou especialista.

— Essa passagem convoca uma espécie de aproximação dos nossos conflitos, dos nossos fantasmas, nossas pendências e nossas dívidas. Não só com os outros mas também com nós mesmos — afirma Dunker. — Isso mobiliza retóricas e formas de olhar para a própria vida. Alguns vão olhar como se ela fosse uma empresa, se deu um prejuízo ou lucro. Outros vão olhar pra de forma jurídica, se é culpado ou inocente. Outros vão olhar do ponto de vista do romance, se foi amado ou não. Esses balanços até são esperados, mas por vezes são bastante mal feitos.

Some-se a esse caldeirão de desafios de ordem emocional os excessos evocados nessa época — como bebidas, comida e compromissos demais — e o fardo vai ficando cada vez maior. Fica pior para quem já teve um ano difícil e chega ao fim do ciclo frustrado ou esgotado pelos acontecimentos dos últimos 12 meses.

— Dezembro traz consigo uma sobrecarga. Aumentam as demandas familiares, grupais, confraternizações. A gente se cobra para terminar as coisas e num período onde há muita distração. Há uma grande sensação de falta de tempo que leva a muito estresse — afirma Tânia Ferraz, psiquiatra e psicoterapeuta, diretora do Instituto de Psiquiatria da USP (IPQ-USP). — As pessoas começam ainda a comer mal, em grandes quantidades, faltam na atividade física e o sono também é impactado. Além disso, tem as redes sociais, com todo mundo postando fotos feliz, viajando, confraternizando. Mesmo que a realidade não seja bem essa.

Além de toda a perturbação de hábitos e agendas, há um público que sofre especialmente nessa fase do ano: as pessoas enlutadas. Os especialistas ressaltam que a sensação de tristeza e inadequação causada pela falta de um ente querido nessas datas são ainda mais presentes no primeiro ano da perda. Ou seja, dói mais o primeiro Natal sem aquela receita especial, o abraço ou a presença de um amigo ou familiar que morreu no curso do ano.

— Existe o luto imediato, poucas semanas após a perda. Existe o luto prolongado em que estão essas datas marcantes, aniversário de casamento, aniversário da pessoa que partiu e das festas, todos esses momentos de celebração — diz Alaor Carlos de Oliveira Neto, coordenador do serviço de Psiquiatria do Hospital Oswaldo Cruz. — O luto é um preço que pagamos pelo amor e pelas vivências que construímos ao longo da vida.

Pensando nisso, o ativista Tom Almeida e a jornalista especializada em cuidados paliativos, morte e luto Juliana Dantas criaram o “Guia para encarar as festas de fim de ano: informações e acolhimento para perdas e lutos”. O material foi inspirado em pessoas enlutadas e dá dicas, sugere análises e alternativas para quem lidará com a ausência de uma pessoa amada nesse natal.

— Temos um caminho de dicas, um caminho de “autorizações”, uma psicoeducação, que é uma conversa dizendo: o que você está vivendo é natural. Está tudo bem, você não está funcionando de uma forma errada, é só esse período que é assim — afirma Tom.

Juliana diz que a perda em si não costuma ser o principal tema que pede atenção, mas também a relação entre os que ficaram.

— Maior que a própria dor do luto, é a dor de sentir que não existe ambiente para expressar qualquer sensação que venha desse luto. Seja choro, lamento e reclusão. Mas também as coisas menos clássicas, que é querer se refazer, viajar, isso também é expressão em meio ao luto — conta.

Embora o período seja verdadeiramente desafiador, há pontos de alerta que precisam de atenção, por indicar que a melancolia vivida em dezembro está indo um pouco além de apenas uma reação aos aspectos específicos desse período.

— Um sinal de alerta é quando causamos sofrimentos a nós ou a quem está ao nosso redor. Também é preciso prestar atenção na queda de rendimentos em atividades físicas, dificuldades em relacionamentos familiares, além da sensação de que nada vai dar certo — diz Guerra. —Por fim, também preocupam os pensamentos de que a vida não faz sentido.

Christian Dunker ainda cita outro aspecto:

— Um sinal de alerta é quando você começa a sentir raiva da felicidade alheia. Ou você começa assim, “não vou à festa porque detesto Natal, detesto tudo isso”. É diferente de quem diz: eu prefiro me resguardar, estou num momento mais introspectivo. Nesse segundo caso, você não tem raiva, não tem ódio do afeto do outro. Esse é o sinal — afirma.

Alaor Carlos de Oliveira Neto, coordenador do serviço de psiquiatria do Hospital Oswaldo Cruz, tem uma dica para quem enfrenta desafios nessa época do ano.

— Saia das redes sociais! Saia dessa ideia idealizada da vida e do mundo, porque é justamente disso que você é alimentado e inundado diariamente — afirma. — Então, reconheça que não existe isso, que as famílias e as relações têm tensões, têm problemas e você faz parte de uma, como todas as outras, que tem problemas e situações de vida e preocupações financeiras.

Encontrar a própria comunidade, para além das demandas familiares, também pode ser uma saída, diz Ilana Pinsky, psicóloga clínica e pesquisadora da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos.

— Por que tem que ser pai, mãe, aquela família tradicional? Não tem razão para que isso precise ser feito dessa forma. Podemos encontrar nossas alternativas. Encontrar um tempo para pessoas que amamos, que queremos perto e não são exatamente família — diz. — É uma chance, inclusive, para cultivar nossos laços de amizade.

[Fonte Original]

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