Proliferam pelo país propagandas do governo incensando a reforma do Imposto de Renda (IR) como medida de justiça tributária. Ao custo de R$ 25 milhões, a publicidade oficial alardeia que quem ganha menos de R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil por ano) deixará de pagar IR, enquanto os “super-ricos” — aqueles que, segundo o governo, recebem mais de R$ 50 mil por mês (R$ 600 mil por ano) — pagarão uma alíquota mínima de até 10%. O objetivo da propaganda é evidentemente eleitoral. A isenção de IR é um poderoso argumento de convencimento do eleitor de classe média. O IR “mais justo” propalado pelo governo, contudo, não atingirá com o mesmo rigor a elite do funcionalismo público, que se beneficia de verbas indenizatórias e outros “penduricalhos” para inflar seus supersalários.
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Como regra, a maior parte dessas verbas — auxílio-moradia, auxílio-alimentação, licença-prêmio, abonos ou outros adicionais — é considerada rendimento isento de imposto, pois seu objetivo é reparar algum prejuízo ou reembolsar gastos necessários ao exercício da função. Por isso elas não são incluídas no total tributado, que costuma ser taxado a alíquotas de até 27,5%. A reforma, porém, estipula que mesmo os rendimentos isentos sejam somados para efeito de cálculo da alíquota mínima (embora exclua certas categorias). São incertas as regras que a Receita Federal estipulará para os vários “penduricalhos”. Mas, ainda que sejam levados em consideração para cálculo do IR mínimo, a taxação daqueles para quem eles representam o grosso da remuneração será tudo, menos “mais justa”.
Basta considerar um exemplo. O teto salarial do setor público equivale a um rendimento anual de R$ 630 mil, sobre os quais o funcionário recolhe 27,5% depois de todas as deduções permitidas (no máximo, pouco mais de R$ 170 mil). Isso significa que ele pode receber até R$ 1,7 milhão ao ano somando os “penduricalhos” que não pagará um centavo a mais de imposto. Se receber R$ 2 milhões, pagará apenas 10% sobre a diferença de R$ 300 mil, ou R$ 30 mil. Serão, portanto, R$ 170 mil sobre o que é recebido como salário, mais R$ 30 mil sobre quase R$ 1,4 milhão recebido na forma de “penduricalhos” (equivalente a uma alíquota de 2,2%).
Estudo recente das organizações Movimento Pessoas à Frente e República.org constatou, numa amostra de 4 milhões de servidores, haver 40 mil que, além de receber acima do teto constitucional, pertencem à fatia de 1% com maior renda do país — integram o grupo dos “super-ricos” da propaganda do governo. A elite do funcionalismo representa, segundo o estudo, pelo menos 2,7% da elite econômica brasileira. No universo pesquisado, cerca de 10,8 mil juízes receberam mais de R$ 1 milhão em 2023 (em valores corrigidos). Não se trata, portanto, de casos excepcionais. Para tornar o IR realmente “mais justo”, o mínimo que a reforma deveria fazer é submeter os “penduricalhos” à mesma taxação que o resto da remuneração. Dessa forma, quem ganha supersalários pagaria sobre eles 27,5%, e não zero ou alíquotas irrisórias.