Uma brecha entre uma peça e outra em Nova York me deu duas horinhas de bobeira. Acabei entrando no Museu da Broadway, no coração de Times Square, com hordas de gente pra lá e pra cá. Achei que seria uma clássica experiência pega-turista-trouxa, com meia dúzia de quinquilharias, pela fortuna de US$ 45 (cerca de R$ 250).
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Tudo que eu havia imaginado, cheio de preconceito, ruiu. Para quem gosta de teatro é tão bom quanto ir a uma peça (dependendo do espetáculo, até melhor). O museu segue a linha do que o americano faz como ninguém: contar uma história bem contada. A visita às vinhas do Coppola, na Califórnia, começa com um tour por um espaço com as suas estatuetas do Oscar, os figurinos de “O poderoso chefão” e a cópia do roteiro de “Apocalypse now”. Meio deslocado de uma vinícola, mas irresistível.
O passeio pelo Museu da Broadway — região que chegou a abrigar 70 teatros nos anos 1920 (hoje são 40 salas, com no mínimo 500 lugares cada) — cobre todas as fases: da primeira apresentação artística na região, em 1732, passando pelo nascimento do gênero musical, depois da Guerra Civil, a mudança dos teatros para o Midtown, fugindo da especulação imobiliária no começo do século XX, a crise de 1929, a euforia pós Segunda Guerra, o declínio nos anos 1960 e o ressurgimento 20 anos depois. Figurinos originais, maquetes, cenários, ambientes com músicas originais, partituras, tudo no museu é construído para honrar o passado e fascinar o público. Os americanos entenderam que contar bem a sua história significa manter a audiência interessada no que é feito hoje.
Embora a Broadway ainda esteja apanhando para se encontrar depois da pandemia, cantar com “Wicked” ou chorar com “O rei leão” continua sendo das principais razões que levam turistas à cidade e, por consequência, receita aos cofres públicos: na última temporada, 14,7 milhões de espectadores renderam quase US$ 2 bilhões.
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Em Portugal, o minúsculo município Marco de Canaveses, onde nasceu Carmen Miranda, abriga museu suntuoso dedicado à cantora. É de cair o queixo. No Brasil, onde Carmen viveu e fez carreira, o espaço dedicado à cantora é tímido e claustrofóbico, em um canteiro no Aterro do Flamengo. O mastodôntico esqueleto da obra do Museu da Imagem e do Som (MIS) é um tapa na cara de quem passa na Avenida Atlântica. Gastou-se tudo e mais um pouco e, com mais de dez anos de atraso, a obra ainda não foi concluída. Nos anos 1950, um museu dedicado ao teatro brasileiro funcionava no Municipal. Era popular e visitado. Depois, passou para o casarão em Botafogo até fechar. O acervo da Funarte foi transferido para a Casa da Moeda, mas desde a pandemia está inacessível ao público.
Alguns abnegados ainda resistem. Marcelo Del Cima mantém uma coleção impressionante, provavelmente a maior da América Latina, em um lindo casarão na Glória. Com o precioso auxílio do pesquisador Daniel Marano, são mantidos mais de meio milhão de itens, como figurinos, cartazes, programas, objetos, fotos, prêmios. Catalogar e preservar tanto material leva tempo e custa dinheiro. Sem nenhum tipo de apoio do Estado, apesar dos reiterados pedidos, o acervo valioso não consegue ser exibido ao público.
João Caetano, Procópio Ferreira, Dercy Gonçalves, Dulcina de Moraes, Teatro Experimental do Negro, teatro de revista, Maria Della Costa, Eva Todor, TBC, Arena, Oficina, Opinião, Teatro dos Quatro, Teatro dos Sete, Bibi Ferreira, Companhia Estável de Repertório, Antunes Filho, Marília Pêra, Amir, Asdrúbal, Teatro Ipanema, Fernanda Montenegro. O teatro brasileiro tem o mais difícil: uma história rica, diversa, interessante, cheia de altos e baixos e lances emocionantes. Falta vontade política para reuni-la em um único espaço e contá-la ao público como ela merece.