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domingo, abril 27, 2025

‘Cultura da correria’: o que é o hábito em que caímos sem perceber e como sair dele

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Durante anos, Tomás foi definido por sua produtividade: ele era quem respondia e-mails a qualquer hora, participava de todos os cursos, palestras e reuniões e nunca tirava férias. Despertador às 6h45, meditação, café da manhã rápido, exercícios e deslocamento para o escritório, onde passava a maior parte do dia sentado em frente ao computador.

Como muitos, ele foi atraído pela ideia de que estar saturado fazia parte do jogo. No início, essa demanda constante gerava adrenalina nele. Ele se sentia útil, invencível, necessário. Ele gostava de dizer que fazia mil coisas ao mesmo tempo, que não tinha tempo. Seu corpo pedia coisas que ele traduzia como fraqueza: dores de cabeça, espasmos musculares, insônia, choro. Dizia que quando “tudo estivesse resolvido” ele descansaria. Mas esse momento nunca chegou e, certa manhã, um espasmo nas costas o deixou acamado por três dias. O médico foi claro: exaustão crônica e esgotamento. Seguiu-se uma profunda reflexão “não apenas física, mas existencial”, diz ele em conversa com a mídia. “Eu tinha normalizado aquela vida”.

A cultura da correria é uma mentalidade que prioriza o trabalho intenso e a produtividade incansável em detrimento do descanso, do lazer e do bem-estar. O termo surgiu na década de 2010 com a ascensão de startups e empreendedores do Vale do Silício, em torno da ideia de pessoas que amam — ou fingem amar — trabalhar sem parar. Erin Griffith, jornalista do The New York Times, descreveu-o como “um manual que as pessoas seguem, obcecadas em se esforçar e implacavelmente positivas, na esperança de fazer um grande sucesso, mas quando não conseguem, o resultado é o esgotamento.”

O burnout não aparece de repente: ele se acumula em silêncios, tensões e objetivos sem pausa — Foto: Shutterstock

O perigo de idealizar a autoexploração

“Há uma ideia equivocada de que o sacrifício pessoal é necessário para obter reconhecimento, e a pressão social e cultural para obtê-lo leva muitos a priorizar seu trabalho ou desempenho acadêmico em detrimento de seu bem-estar pessoal”, observa Sol Candotti, ex-gerente de Recursos Humanos da Danone, onde foi responsável por desenvolver um programa de saúde para melhorar a qualidade do trabalho dos funcionários.

Estatísticas do programa que ela implementou — por meio do qual academias, spas, consultas de nutrição e espaços abertos foram adicionados aos escritórios — mostraram que as pessoas têm melhor desempenho, profissionalmente falando, quando cuidam de seu bem-estar pessoal.

“A idealização da autoexploração como sinônimo de sucesso, valorizando a produtividade extrema, as longas horas de trabalho e glorificando a exaustão como um distintivo de honra, tem consequências”, alerta Candotti.

Várias investigações demonstraram que a privação do sono afeta negativamente a concentração, a tomada de decisões e a saúde emocional, entre outros aspectos diretamente relacionados ao bem-estar.

Efeitos negativos da cultura da correria

Um estudo publicado pelos Institutos Nacionais de Saúde argentinos (NIH) sobre os efeitos da redução do sono na produtividade dos trabalhadores concluiu que a restrição do sono reduz os níveis de testosterona em homens jovens e saudáveis, com consequente efeito adverso no foco mental no trabalho, vigor, libido, massa muscular, densidade óssea e adiposidade.

O estudo explica que quando as pessoas dormem menos podem desenvolver hipomelatoninemia (deficiência de melatonina, o hormônio que regula o ciclo sono-vigília e também atua como protetor do DNA e tem benefícios para o aprendizado e a memória).

“Além de estar ligada a doenças físicas e mentais, a cultura do fazer sempre — associada à falta de sono e ao estresse crônico — prejudica o julgamento e a capacidade de autorregulação e estimula decisões impulsivas”, diz Candotti.

Do ponto de vista psicológico, a psicóloga Valentina Agüero Vera indica que, em um contexto de competitividade e múltiplos estímulos tecnológicos, a hiperprodutividade traz consigo diversos problemas. Dentre eles:

  • Estresse constante. Cronicamente sustentado, o ritmo acelerado de trabalho gera uma sensação de estresse permanente e, consequentemente, reduz a qualidade executiva na execução das tarefas.
  • Insatisfação existencial. A hiperprodutividade profissional, explica a psicóloga, pode nos distanciar de outras áreas vitais, como cuidados físicos, descanso, lazer e atividades sociais. “Isso nos deixa com uma sensação de vazio e diminui nossa percepção de bem-estar e contentamento com a vida”, diz.
  • Frustração e baixa autoestima. Na mesma linha, Agüero Vera observa que, nesses casos, a frustração frequente é comum. “Se a meta é alcançada, tendemos a pensar que não é suficiente, mas se não for alcançada, a frustração aumenta e nossa autoestima é afetada”, reflete.
  • Incapacidade de regular as emoções. A obsessão em fazer coisas constantemente afeta quase inevitavelmente a qualidade e a quantidade do sono, o que afeta diretamente a capacidade de regular as emoções, o que, por sua vez, afeta o nível de produtividade no trabalho. “A falta de descanso afeta a tomada de decisões, o planejamento e a concentração, o que reduz a eficácia de atingir nossos objetivos e pode levar à ansiedade e à depressão.”

“O sono ajuda o nosso cérebro a funcionar corretamente, e não descansar o suficiente afeta o nosso desempenho diário”, ressalta Agüero Vera.

Dados numéricos apoiam essas conclusões. Um relatório da RAND (Pesquisa e Desenvolvimento), uma organização independente especializada em pesquisa e análise para formulação de políticas, revelou que a privação generalizada do sono custa aos Estados Unidos mais de US$ 400 bilhões em perda de produtividade anualmente e, ao Japão, US$ 138 bilhões.

“A narrativa que iguala horas trabalhadas ao sucesso persiste, mas as evidências mostram que ela não é sustentável”, conclui Candotti.

11 sintomas da hiperprodutividade

Os especialistas consultados concordam que, neste contexto, torna-se crucial conseguir identificar os sintomas de uma pessoa com hiperprodutividade para poder agir a tempo. Eles chamam a atenção para o seguinte:

  1. Fadiga constante
  2. Irritabilidade
  3. Expectativas exageradamente altas
  4. Diminuição da qualidade e quantidade do sono; insônia
  5. Dores musculares
  6. Tendência ao isolamento
  7. Dor de cabeça
  8. Ruminação mental excessiva
  9. Frustração e insatisfação recorrentes
  10. Perda de foco e dificuldade de concentração
  11. Diminuição da eficácia nas tarefas

“Infelizmente, muitos desses sinais são ignorados até que levem a sintomas clínicos ou burnout, porque a mesma cultura de hiperdesempenho os torna invisíveis”, alerta Candotti.

Agüero Vera acrescenta que muitas pessoas se sentem culpadas por descansar quando não estão lidando com sua lista de tarefas. “Há um padrão de perfeccionismo no qual padrões altos e inflexíveis são estabelecidos, e o valor pessoal se torna dependente de realizações”, explica ele. “Muitas vezes, é um produto da comparação social, dos padrões familiares e do que as pessoas aprenderam ao longo da história sobre o que é valorizado e, portanto, reforçado pelo ambiente.”

Como sair de um estado de hiperprodutividade?

Para evitar cair em um estado de hiperprodutividade — ou conseguir sair dele, já que a cultura da correria é difícil de evitar 100% — Agüero Vera sugere planejar e agir em vez de presumir e esperar.

“É importante reservar um tempo periodicamente para explorar áreas não relacionadas ao trabalho — onde você pode se conectar com interesses pessoais, hobbies e paixões — e planejar sua semana para permitir isso, priorizando o equilíbrio”, diz ela. “Pode ser útil definir alarmes para encerrar o tempo produtivo e abrir espaço para o descanso.”

Por sua vez, tendo testemunhado as mudanças positivas que vêm com a priorização do bem-estar pessoal em detrimento do desempenho profissional, Candotti compartilha uma série de estratégias que podem ser úteis:

  • Defina limites de tempo claros. Priorize dormir entre sete e nove horas e programe as responsabilidades adequadamente.
  • Implemente pausas ativas. Pausas curtas durante a jornada de trabalho para realizar movimentos físicos suaves, alongamentos ou exercícios respiratórios com o objetivo de aliviar a tensão muscular, melhorar a circulação, oxigenar o corpo e clarear a mente.
  • Pratique meditação ou exercícios de relaxamento diariamente.
  • Incentive atividades criativas e sem telas.
  • Valorize o tempo de lazer como parte de um desempenho sustentável.

Além das mudanças que um indivíduo pode ou deseja implementar, a equipe de pesquisa da RAND enfatiza que é fundamental que tanto os empregadores quanto as autoridades públicas adotem essa mudança de mentalidade.

“Os gestores poderiam reconhecer a importância do sono e os riscos psicossociais da falta dele e assumir seu papel na promoção desse sono, além de desencorajar o uso prolongado de dispositivos eletrônicos”, observam. “As autoridades públicas poderiam apoiar os profissionais de saúde no fornecimento de assistência relacionada ao sono, incentivar os empregadores a abordar questões relacionadas ao sono e implementar horários de início mais tardios”, acrescentam.

“Descansar não é perder tempo, e mudar nossa mentalidade faz parte do desafio cultural que enfrentamos”, conclui Candotti.

[Fonte Original]

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