A divulgação da nova edição do mapa-múndi “invertido” pelo IBGE desagradou a funcionários do instituto. A Coordenação do Núcleo Sindical Chile – ASSIBGE/SN, que representa parte dos trabalhadores, divulgou um longo comunicado intitulado “Manifesto pela Integridade Técnica do IBGE”, no qual repudia o lançamento e se diz “em defesa da ciência, da razão institucional e do Brasil real”.
O novo mapa foi divulgado pelo presidente do IBGE, Márcio Pochamnn, em seu perfil no X. Segundo ele, o lançamento ocorre no ano em que o Brasil tem posição de destaque e participação ativa em fóruns internacionais, ao presidir o Brics e o Mercosul, além de sediar a COP 30, que ocorrerá em Belém, em novembro deste ano.
Os servidores se dizem preocupados com os prejuízos à imagem do instituto. Redes sociais foram tomadas por comentários críticos e irônicos, além de uma série de memes ridicularizando a iniciativa e ataques de opositores políticos do governo Lula. Publicações nas redes também põem em dúvida a integridade de dados do IBGE.
Uma fonte ouvida pelo GLOBO informou que houve grande insatisfação da área técnica com a divulgação do mapa no mesmo dia em que o IBGE apresentou os números de um grande levantamento de dados socioeconômicos, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C).
O texto divulgado pelo sindicato diz que o mapa em que o Brasil aparece “artificialmente no topo e ao centro do mundo” é “um gesto sem respaldo técnico reconhecido pelas convenções cartográficas internacionais” e argumenta que a iniciativa da direção do instituto “em vez de informar, distorce; em vez de representar a realidade com rigor, cria uma encenação simbólica que compromete a credibilidade construída pelo IBGE ao longo de décadas de trabalho sério, imparcial e respeitado globalmente”.
O comunicado afirma que “ilusões gráficas” não são suficientes para combater as graves mazelas que o Brasil ainda enfrenta, como desigualdade estrutural, insegurança, informalidade e perda de competitividade. “O que se vende como símbolo de autoestima nacional esconde um paradoxo desconfortável”, diz o texto, que enumera outras decisões polêmicas da atual gestão do IBGE.
O instituto vive uma tensão constante entre o seu atual presidente, Marcio Pochmann, e os funcionários, que já fizeram manifestações pedindo o seu afastamento. A principal queixa é de autoritarismo e de decisões que podem comprometer a credibilidade do órgão oficial de estatística do país.
“Não há desculpa técnica, jurídica ou pedagógica para esse tipo de prática. Nenhum país se torna mais respeitado por estar no centro de um papel. A grandeza internacional se conquista com políticas públicas consistentes, instituições confiáveis e dados transparentes — não com encenações visuais”, diz outro trecho. “Transformar a cartografia oficial do Estado em gesto de vaidade simbólica é oferecer à população um consolo ilustrado, quando o que ela precisa é verdade, responsabilidade e seriedade.”
O texto alega que o mapa viola princípios da administração pública, como a finalidade administrativa, a impessoalidade e a moralidade administrativa ao empregar recursos públicos na produção de material a serviço de “narrativas de governantes ou gestões” em vez de atender aos interesses da sociedade. “O IBGE existe para produzir informação técnica e objetiva, não material simbólico ou político”.
O sindicato ainda argumenta que a iniciativa “também fere o princípio da eficiência, pois a adoção de padrões gráficos não reconhecidos confunde a educação, prejudica comparações internacionais e deslegitima produtos oficiais”.
E finaliza: “A gestão atual do IBGE vem falhando, repetidamente, em proteger o valor técnico e a integridade institucional do órgão. O IBGE não pertence a pessoas. Pertence ao Estado, à sociedade e ao futuro. O Brasil não precisa estar no centro do papel. Precisa estar no centro da honestidade técnica, da responsabilidade pública e do compromisso com a verdade. Por isso dizemos, com serenidade firme: não ao mapa da vaidade. Sim à ciência, à integridade e à maturidade institucional.”
Em nota divulgada à imprensa, o IBGE justifica a publicação do novo mapa mencionando uma nota técnica que o acompanha e que argumenta que “a maior parte do mundo está acostumada a ver a América do Norte no Norte e a América do Sul no Sul, mas essa representação não é a única possível e nem a única que foi registrada durante a história”.
“Não existe uma razão técnica para colocar os pontos cardeais nas direções convencionais e, portanto, a representação tradicional é tão correta quanto a representação invertida”, disse o órgão.
A construção de um mapa considerado “invertido”, porém, não é nova. O lançamento do IBGE reacende o debate sobre a relação entre cartografia e poder, frequentemente discutida entre especialistas do campo da Geografia. Estudiosos costumam refletir sobre como os mapas não são neutros e representam escolhas políticas, culturais e ideológicas.
Na academia, é comum que especialistas discutam sobre a centralidade da Europa e o predomínio do Norte global nos mapas tradicionais, apontando que essas representações reforçam visões de mundo específicas.
O quadro “América Invertida”, de 1943, do artista uruguaio Joaquín Torres-García, virou símbolo da valorização do chamado Sul Global, por contestar projeções tradicionais sob o argumento de que perpetuam hierarquias coloniais e eurocêntricas.
Ele e outros estudiosos defendem que mapas como o de Mercator, muito usado até hoje nas salas de aula, passam uma ideia distorcida do mundo e mantêm antigas desigualdades entre países ricos e pobres.