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- Author, Luis Barrucho
- Role, Serviço Mundial da BBC
Os preços dos alimentos em geral atingiram níveis recordes após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022. Eles já caíram um pouco, mas ainda estão no seu ponto mais alto das últimas seis décadas.
Especialistas afirmam que os fatores que criaram esta tendência, aparentemente, vieram para ficar.
“A era da comida barata acabou”, afirma o pesquisador Rob Vos, do Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês). “O mundo precisa se adaptar a esta nova realidade.”
Qual o nível dos preços?
Os preços dos alimentos atingiram níveis recorde após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, segundo as avaliações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), no seu Índice de Preços dos Alimentos.
A organização acompanha cinco categorias de produtos alimentícios: óleos vegetais, cereais, carne, açúcar e laticínios. E também oferece acompanhamento geral das cinco classes combinadas.
O índice mostra os preços dos alimentos em valores reais — ou seja, considerando a inflação em geral. Os números atingiram o pico em março de 2022 e caíram em 2023 — mas subiram lentamente de novo, no ano passado.
O especialista em demografia e economia José Eustáquio Diniz é ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Ele afirma que, em termos reais, esta década viu os preços médios dos alimentos mais altos dos últimos 100 anos.
O professor considera esta tendência como um risco “sério” para a segurança alimentar global.
A última vez em que os preços dos alimentos atingiram níveis recorde ocorreu em 1974 e 1975, após a crise do petróleo de 1973. Na época, os custos aumentaram em inúmeros setores, incluindo a produção e o transporte de alimentos.

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A guerra e os fertilizantes
O conflito na Ucrânia desestabilizou os mercados globais de alimentos. Isso ocorreu, particularmente, porque a Rússia e a Ucrânia são grandes exportadores de trigo e óleo de girassol — e a Ucrânia é um dos principais exportadores de milho.
Os preços destes produtos dispararam no início de 2022, quando a Rússia bloqueou os portos ucranianos. Mas um acordo entre os dois lados e, posteriormente, novas rotas de embarque, permitiram que a Ucrânia retomasse suas exportações.
A economista da FAO Monika Tothova afirma que o impacto, em última análise, não foi tão grave quanto alguns temiam. Mas o conflito também destacou outra preocupação entre os agricultores: o preço dos fertilizantes.
O gás natural é fundamental para a produção de fertilizantes. O preço do produto já era alto, mas disparou ainda mais em 2022, quando o conflito na Ucrânia fez subirem os preços do gás, gerando ainda mais pressão sobre os valores dos alimentos.
Produção, alimentação e demanda
Mas existem também fatores mais duradouros em jogo.
“A era dos baixos preços dos alimentos foi resultado de um impulso considerável para a produtividade agrícola, desde os anos 1970”, segundo Vos.
Este período testemunhou a “Revolução Verde” — uma mudança generalizada para variedades vegetais de alto rendimento e técnicas agrícolas intensivas.
Mas este aumento da produtividade, agora, ficou mais lento. E, com o crescimento da demanda por alimentos, os preços médios subiram, explica o pesquisador.

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A demanda vem crescendo particularmente nos países em desenvolvimento, onde as populações estão se expandindo e a alimentação está mudando.
“As pessoas estão consumindo mais carne, laticínios, frutas, legumes e verduras”, segundo Diniz. “Mas a produtividade nestes setores não acompanhou a demanda, o que tornou a comida mais cara.”

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Mudanças climáticas
O aumento das temperaturas poderá aumentar a inflação dos alimentos em até 3,2 pontos percentuais por ano até 2035, segundo um estudo conjunto do Banco Central Europeu e do Instituto de Potsdam para Pesquisas sobre os Impactos Climáticos, realizado no ano passado.
As mudanças climáticas retardaram o crescimento da produtividade agrícola nos últimos 60 anos, segundo um relatório de 2022 do Banco Mundial.
A organização alerta sobre um possível “ponto crítico”, no qual os impactos climáticos anulariam todo o progresso futuro para o aumento da produtividade, o que poderia ser “devastador”.

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A maior parte da produção agrícola depende do clima. Por isso, é “um negócio altamente incerto”, segundo Tothova.
Ela explica que certos produtos, como o azeite de oliva, o café e o cacau, são particularmente vulneráveis, pois dependem de árvores perenes e sua produção é concentrada em poucos países.
O preço do azeite de oliva, por exemplo, disparou em 2023 e 2024. Ondas de calor extremo atingiram o sul da Europa por dois anos, causando secas na Espanha e em outras regiões de cultivo de oliva.
Cientistas do grupo World Weather Attribution (WWA), do Imperial College de Londres, afirmam que as temperaturas escaldantes teriam sido “virtualmente impossíveis” sem as mudanças climáticas induzidas pelas atividades humanas.
A colheita de café também foi atingida pelo clima extremo. Os preços do café arábica em grãos atingiram recordes de alta nos mercados internacionais de commodities em fevereiro deste ano. Os dois anos de seca no Brasil foram um dos fatores para este aumento.
Os pesquisadores do WWA afirmam que as mudanças climáticas foram a principal causa das condições excepcionalmente secas de 2023.

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Pragas e doenças
Nos Estados Unidos, uma epidemia de gripe aviária levou ao abate de dezenas de milhões de galinhas.
O preço de uma dúzia de ovos mais que triplicou no país desde 2021, atingindo o nível recorde de US$ 6,23 (cerca de R$ 35) em março deste ano, segundo o Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos.
O presidente americano, Donald Trump, culpou as políticas do seu predecessor, Joe Biden, pela disparada dos preços.
Por outro lado, grupos ativistas e alguns legisladores do Partido Democrata levantaram a suspeita de que os produtores de ovos podem estar mantendo os preços altos artificialmente.
Nos últimos anos, a gripe aviária também forçou a alta dos preços dos ovos em outros países, como a África do Sul, a Austrália e o Japão. Mas os impactos variam de um país para outro.

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O suco de laranja também sofreu uma recente alta nos preços, que atingiram níveis recorde nos mercados de commodities em setembro do ano passado.
A colheita no Brasil e nos Estados Unidos foi prejudicada por uma doença conhecida como greening, transmitida por uma praga sugadora de seiva. Ela deixa a fruta amarga e mata lentamente as árvores.
A seca no Brasil e os furacões na Flórida também afetaram a produção. Mas, agora, os preços estão mais baixos.
Tarifas e incertezas comerciais
Os transtornos no comércio global, que incluem as recentes tarifas de importação impostas por Donald Trump aos produtos com destino aos Estados Unidos, também podem atingir os preços dos alimentos.
Um dos problemas dos agricultores é a imprevisibilidade.
“Se irromper uma guerra comercial e forem impostas tarifas, eles podem perder mercados de exportação fundamentais, o que os forçará a ajustar a produção no meio da estação”, explica Tothova.

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Podem também ocorrer efeitos cascata.
Quando a China impôs tarifas retaliatórias à soja americana, por exemplo, os importadores chineses buscaram outros fornecedores, como o Brasil. Mas estas fontes não conseguiram atender à demanda, o que causou aumento dos preços do grão importado, segundo um recente relatório do Banco Mundial.
Vos afirma que não está claro se as tarifas americanas terão o efeito de forçar os preços globais dos alimentos para cima ou se irão gerar uma redução global do crescimento econômico, o que poderá diminuir os preços.
Mas ele alerta que, mesmo se houver uma redução, a inflação dos alimentos pode permanecer alta em muitos países de baixa e média renda. Isso porque a queda das exportações desses países poderá enfraquecer suas moedas, encarecendo a importação de alimentos, segundo Vos.
“Não se sabe ao certo como as coisas irão evoluir precisamente”, explica ele. “Mas, de forma geral, há poucas boas notícias no horizonte.”
Os efeitos
Os preços dos alimentos vêm se reduzindo no mercado global desde 2022. Mas isso não significa que os preços pagos pelos consumidores no varejo tenham caído em toda parte.
O economista Dawit Mekonnen, do Grupo de Perspectivas do Banco Mundial, afirma que, em muitos países, os preços dos alimentos ainda são significativamente mais altos do que quatro anos atrás. Isso “prejudicou gravemente o acesso aos alimentos“, segundo ele.
A desnutrição aumenta em todo o mundo. Ela atingiu seu nível mais baixo em 2017, representando 7,1% da população mundial – mas retornou para 9,1%, segundo os números da FAO.
Mais de um terço da população mundial não pode pagar por uma alimentação saudável, incluindo cerca de dois terços da população da África, como informa a avaliação mais recente da organização.
Alguns economistas preveem que os preços dos alimentos podem cair um pouco nos próximos 12 meses. Mas a maioria dos especialistas espera mais volatilidade à frente.
“As forças que causam aumentos de preço – maiores custos de produção, problemas na cadeia de abastecimento, mudanças climáticas e políticas comerciais – não estão desaparecendo”, alerta Rob Vos.