Amauri Siviero
Acessibilidade
Um estudo inédito realizado no Vale do Juruá, no Acre, trouxe à luz o extraordinário potencial nutricional e comercial de variedades de feijões cultivadas por povos tradicionais.
A pesquisa, que integra a tese de doutorado da professora Guiomar Almeida Sousa (Ifac), sob orientação de Amauri Siviero (Embrapa Acre), revelou que os feijões-caupi Costela de Vaca e Manteiguinha Branco possuem teores de proteína de até 27%. Este índice é significativamente superior à média de 20% encontrada em outras variedades e supera a média mundial, conferindo-lhes um alto valor agregado.
Além do teor proteico, o estudo quantificou a presença de antocianinas, poderosos antioxidantes que combatem o envelhecimento celular e previnem doenças. Os feijões Preto de Arranque e Preto de Praia se destacaram com índices que variaram de 420 a 962 microgramas por grama, evidenciando a diversidade e a riqueza nutricional da agrobiodiversidade da região.
Conservação Genética e Valorização do Produtor Familiar
As variedades com maior índice proteico são cultivadas por agricultores familiares que ainda utilizam sistemas agrícolas tradicionais, muitas vezes nas praias dos rios durante o período seco. Essa forma de manejo, adaptada ao longo de gerações por comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, garantiu a conservação genética e a estabilidade dos grãos.
O estudo confirmou que os feijões mantiveram seus valores nutricionais mesmo após 12 meses de armazenamento. Para o pesquisador Amauri Siviero, o conhecimento dessas características pode incentivar o desenvolvimento de ações com foco em mercados selecionados, nos quais os consumidores estejam dispostos a pagar um preço justo por um feijão com diferencial nutricional e histórico.
“Esses aspectos favorecem a busca por mercados mais justos para os feijões do Juruá,” reforça a professora Guiomar Almeida Sousa, destacando que a valorização do produto é um caminho direto para o aumento da renda dos agricultores familiares.
Políticas Públicas e Selos de Origem como Vantagem Competitiva
O contexto atual das políticas públicas favorece a valorização desses alimentos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) lançou recentemente o Selo Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Identificação de Origem, que cooperativas e associações podem requerer para os feijões crioulos da região.
Segundo Siviero, os feijões do Juruá têm alto potencial para buscar a obtenção do selo de Indicação Geográfica e a certificação orgânica, a exemplo do que já ocorreu com a farinha de mandioca local. A obtenção desses selos traria benefícios diretos para a população local, promovendo a valorização e a segurança da cadeia produtiva.
AgriZone na COP 30: Protagonismo na Sustentabilidade
O reconhecimento e o mapeamento dos Sistemas Agrícolas Tradicionais (SATs) do Alto Juruá são uma iniciativa multidisciplinar da Embrapa e de universidades parceiras, que buscam documentar o conhecimento ancestral dessas populações.
Sintonizados com os princípios da agricultura sustentável, os SATs serão apresentados na AgriZone, o espaço da Embrapa na COP 30, em Belém. A participação visa reforçar a necessidade de valorizar esses sistemas no debate global, ao mesmo tempo em que busca sensibilizar formuladores de políticas públicas sobre a urgência de criar ações específicas para fortalecer e proteger as comunidades tradicionais.
Os SATs são mais do que formas de produzir alimentos; são práticas de conservação da agrobiodiversidade e segurança alimentar que devem ser integradas ao futuro sustentável do agronegócio.


