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- Author, Julia Braun
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
A expectativa é que o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado — que tem como base o PL Antifacção — seja votado ainda nesta terça-feira (11/11) pela Câmara dos Deputados.
Para assumir a posição de relator, Derrite foi exonerado do cargo de secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, onde trabalhava ao lado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Já à frente da Projeto de Lei 5582/25, o parlamentar propôs mudanças significativas no texto enviado pelo governo ao Congresso, provocando críticas da base governista e das próprias forças de segurança.
Uma das principais alterações propostas no primeiro parecer divulgado por Derrite tinha relação com a atuação da Polícia Federal (PF) em investigações. No texto, o deputado condicionava as investigações conjuntas da corporação com forças estaduais sobre crimes relacionados a facções criminosas a um pedido formal do governador.
Após manifestação de preocupação da própria PF, que afirmou que a exigência poderia restringir o alcance das operações, o relator reverteu o ponto mais controverso de sua proposta original.
No novo texto, Derrite propõe “garantir que a Polícia Federal participe das investigações de organizações criminosas, paramilitares ou milícias civis”.
Pela nova redação, a PF atuará “em caráter cooperativo com a polícia estadual respectiva, sempre que os fatos investigados envolverem matérias de sua competência constitucional ou legal”.
Segundo o relator, a mudança “promove a integração cooperativa interinstitucional que se espera em crimes desta complexidade”.
Quem é Guilherme Derrite?
Antes mesmo da publicação de seu parecer sobre o projeto antifacções, a própria indicação de Derrite para o posto de relator já havia sido alvo de críticas. O deputado foi escolhido para a posição pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), de quem é próximo.
A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, criticou a decisão. Ela disse que o governo enviou o projeto na expectativa de um debate consequente sobre o combate ao crime organizado. “A opção pelo Secretário de Segurança do governador Tarcisio de Freitas contamina o debate com os objetivos eleitoreiros de seu campo politico”, declarou.
Já o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), classificou a escolha de Motta como um “desrespeito” ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Colocar nas mãos do secretário de segurança do governador Tarcísio beira uma provocação”, escreveu no X.
Tarcísio é um dos nomes mais cotados para disputar a Presidência contra Lula em 2026. O governador, porém, tem dito que vai concorrer à reeleição em São Paulo no próximo ano.

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Derrite é secretário em São Paulo desde o início do governo Tarcísio, em 2023. Antes disso, foi eleito deputado em 2018 e reeleito em 2022. Na Câmara, já foi referido como Capitão Derrite, por sua posição como capitão da Polícia Militar.
Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o parlamentar sempre defendeu uma política linha-dura para combater a criminalidade. Por isso mesmo, a escolha por seu nome para integrar o governo Tarcísio foi vista como um dos maiores acenos do governador de São Paulo ao bolsonarismo até aquele momento.
Derrite tem no currículo formação em Ciências Sociais e Segurança Pública na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, bacharelado em Direito na Universidade Cruzeiro do Sul e pós-graduação em Ciências Jurídicas na mesma instituição.
Em sua carreira como policial, atuou entre 2010 e 2013 como tenente nas Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), unidade de elite da PM de São Paulo conhecida por atuar em situações de alta periculosidade e por realizar patrulhamento ostensivo em áreas urbanas – e alvo de críticas por muitas situações de confronto.
Durante sua passagem pela Secretária de Segurança Pública paulista, foi criticado por episódios de violência e brutalidade envolvendo a polícia no combate à criminalidade.
Um relatório sobre uma dessas, intitulada Operação Escudo, apontou o abuso de força policial. Segundo o documento, elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo, a ação foi caracterizada como vingança contra jovens negros e pobres da Baixada Santista.
Em outubro deste ano, durante uma apresentação no Congresso de Operações Policiais, Guilherme Derrite afirmou que as denúncias contra os policiais militares que atuaram nas operações Escudo e Verão são mentirosas.
Derrite criticou as posturas de entidades da sociedade civil que trabalham com a defesa de direitos humanos e também da imprensa profissional.
“‘Eles [policiais] prometeram matar 30’, é uma das coisas que foram noticiadas na época. Se existisse mesmo penalização por crime de fake news tinha muita gente que ia ser presa”, disse o então secretário.
O número de roubos registrados no estado de São Paulo de janeiro a agosto de 2025 teve queda de 14,7%, segundo estatísticas divulgadas pela SSP (Secretaria de Segurança Pública paulista).

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Diversos casos envolvendo a própria atuação de Derrite como policial também foram levantados pela imprensa.
Em seu currículo nas forças de segurança, o deputado traz uma passagem turbulenta pela Rota, entre 2010 e 2015, quando deixou o comando de um pelotão marcado pela alta letalidade. É dessa época um áudio vazado nas redes sociais no qual diz ser “vergonhoso” para um policial “não matar nem três pessoas em cinco anos”.
Posteriormente, Derrite disse que errou ao fazer a afirmação e ressaltou que não pensa dessa forma.
“Equivocadamente, eu falei isso em um áudio, quando alguns policiais foram transferidos da Rota, principalmente porque alguns amigos foram transferidos. Tomado por uma emoção momentânea, acabei mandando áudio criticando o comando da PM da época, anos atrás, pela transferência de bons policiais”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo em janeiro de 2023.
“Na época, me retratei, dizendo que foi um equívoco, que eu tava errado, que não era isso que eu pensava, só que isso não vem à toa. Aí, em 2023, quase dez anos depois, querem associar dizendo: ‘o secretário da Segurança Pública pensa dessa maneira’. Não penso”, declarou. “Muito pelo contrário, se eu pudesse passar todo o período da gestão sem nenhum confronto, para mim seria o cenário ideal. Por quê? Porque uma das vítimas sempre é o policial.”

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Como deputado, Guilherme Derrite foi vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara e autor das mudanças aprovadas ao Projeto de Lei 6579/13, que acabou com as saídas temporárias de presos no Brasil, as chamadas “saidinhas”.
A proposta foi aprovada pela Congresso em 2024, após deputados e senadores derrubarem o veto parcial do presidente Lula ao projeto, em um movimento que foi considerado uma derrota para o governo federal.
Até então, a legislação previa a saída temporária para condenados no regime semiaberto. Eles poderiam deixar a prisão cinco vezes ao ano para visitar a família em feriados, estudar fora ou participar de atividades de ressocialização.
Mas com a promulgação da nova lei e das mudanças propostas por Derrite, saídas temporárias para visita à família e participação em atividades sociais foram barradas. Somente detentos que cursam supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior têm a saída autorizada.
O caso agora é analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que votou para que a Corte defina se o fim da “saidinha” também deve ser aplicado a condenados antes da aprovação da lei pelo Congresso.
Na época da aprovação do projeto na Câmara, Derrite classificou a medida como o primeiro grande passo para o combate à impunidade no Brasil. “Isso não vai resolver o problema da segurança pública completamente, mas é o primeiro passo”, disse.
O projeto antifacções
Guilherme Derrite está agora em foco por conta do PL 5582/25, principal aposta do governo para tentar sufocar o crime organizado. O texto foi acelerado após a megaoperação contra integrantes da facção Comando Vermelho (CV) em 28 de outubro.
A proposta surgiu a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública a um grupo de trabalho, foi depois enxugado pelo ministro Ricardo Lewandowski e enviado ao Congresso pelo presidente Lula.
O projeto original do governo modificava a Lei das Organizações Criminosas, elevando as penas de 3 a 8 anos para 5 a 10 anos. A proposta também criava a figura de “organização criminosa qualificada”, com pena máxima de 15 anos no caso se domínio territorial baseado em violência, coação ou ameaça.
Mas desde que foi definido como relator, Derrite já apresentou dois pareceres para a proposta do Executivo.
Além das mudanças sobre a atuação da PF nas investigações envolvendo organizações criminosas, o texto alternativo do deputado também faz mudanças na Lei Antiterrorismo.
Em seu parecer, Derrite incluiu na legislação 11 condutas atribuídas a organizações criminosas, milícias e grupos paramilitares, sujeitando esses crimes às mesmas penas aplicadas a atos terroristas.

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O relatório cita oito agravantes e aumenta a pena de metade a dois terços quando o crime for praticado pelo chefe da organização criminosa, ainda que ele não seja o autor do ato.
E apesar de ter feito alterações no texto para abarcar as críticas em relação às competências da PF, a mais versão do relatório do deputado mantém a estratégia de fazer mudanças na Lei Antiterrorismo.
Dessa forma, embora não classifique as organizações criminosas como terroristas, o relatório do deputado considera que atos das facções têm efeitos equivalentes aos de terrorismo porque geram “caos” na sociedade.
O deputado ainda citou “fragilidades” no texto enviado pelo governo. Uma delas, segundo ele, está na diminuição de pena para integrantes de facções que sejam réus primários.
Membros do governo criticaram a proposta, afirmando principalmente que ela abriria as portas para intervenções externas no Brasil. Alguns países, como os Estados Unidos, têm leis que preveem ações contra grupos terroristas estrangeiros.
Derrite rebateu as críticas. Ele disse que a preocupação de integrantes do governo federal com o tema é “válida” e que acredita que “quem tem que resolver nossos problemas somos nós”.
“O Estado é capaz de oferecer uma solução robusta que seja capaz de punir qualquer criminoso”, disse em entrevista à Globo News na segunda-feira (10).
“Primeiro, precisa ler o relatório e realmente entender o que está no substitutivo. Acho que tem muita ideologia política e pouco conhecimento sobre o que realmente está no relatório”, afirmou.
O deputado disse ainda que “o relatório não é uma coluna de concreto” e pode ser alterado até o dia da votação.