Após impasses e uma longa plenária de encerramento, a COP30 terminou neste sábado com a aprovação de 29 textos negociados ao longo das duas semanas de conferência na Belém — mas sem incluir o roadmap para a transição global dos combustíveis fósseis e para deter o desmatamento. Esses dois temas não estavam na agenda oficial, mas tornaram-se centrais durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. A ausência dos “mapas do caminho” fez com que as decisões sobre adaptação ganhassem destaque, especialmente pela consolidação de indicadores globais.
O “mapa do caminho” para a transição fora dos combustíveis fósseis, apoiado por mais de 80 países, acabou excluído do texto final da COP30 depois de forte resistência de grandes produtores de petróleo, especialmente a Arábia Saudita. O mesmo ocorreu com a proposta de um plano de implementação para deter e reverter o desmatamento até 2030, que teve apoio de mais de 90 países.
Diante do bloqueio, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, anunciou que conduzirá, por iniciativa própria da Presidência brasileira da COP, consultas ao longo do próximo ano para elaborar dois roadmaps: um sobre desmatamento e outro sobre a transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis.
“Vamos reunir a maior inteligência possível sobre energia fóssil e organizar essas informações por meio de reuniões e estudos. Isso permitirá que, no curto período de onze meses e meio da presidência brasileira, possamos produzir um documento substantivo, equilibrado e útil — que apresente os dados e mostre que é preciso enxergar a economia de outra maneira”, declarou em coletiva após a plenária de encerramento.
A ministra Marina Silva afirmou que o mapa do caminho funcionará como uma espécie de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) setorial para os países. “Nações ricas afirmam já ter seus próprios roadmaps e trajetórias planejadas para eliminar os fósseis. Mas países pobres e dependentes do petróleo não têm nada parecido — e é por isso que esse processo é tão importante”, disse., ressaltando que cada país deverá criar suas próprias metas para se afastar dos combustíveis fósseis.
Apesar da iniciativa brasileira, a ausência de um acordo formal foi criticada. Manuel Pulgar-Vidal, líder global de Clima e Energia do WWF e presidente da COP20, afirmou que a chamada “COP da Verdade” falhou em apresentar um roteiro e soluções reais para desafios urgentes.
“A falta de um plano crível para enfrentar a crise climática e a incapacidade de reconhecer suas principais causas, como os combustíveis fósseis, dizem muito. Falta vontade política. Estão decepcionando a ciência, os compromissos do Acordo de Paris e as pessoas que deveriam servir.”
Com o impasse sobre o roadmap na COP30, a atenção agora se volta para a Primeira Conferência Internacional sobre a Transição Justa para Longe dos Combustíveis Fósseis, prevista para abril de 2026, na Colômbia.
Ainda no texto do Mutirão, os países concordaram em triplicar o financiamento para adaptação climática para pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano, porém, estendendo o prazo de 2030 para 2035.
“Pessoas do Sul Global chegaram a Belém com esperança de progresso real em adaptação e financiamento, mas países ricos se recusaram a fornecer recursos cruciais”, afirmou Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil. “Esse fracasso deixa comunidades na linha de frente da crise climática expostas aos piores impactos e com poucas opções para sobreviver.”
Considerado um dos resultados mais sólidos da COP, o texto de adaptação consolida 59 indicadores globais do Objetivo Global de Adaptação (GGA) — definição aguardada desde o Acordo de Paris — que orientarão como medir o avanço do planeta nessa agenda. A implementação começa em 2026, com apoio técnico e possibilidade de revisão.
“Era uma necessidade que felizmente se confirmou. Ainda não estão prontos para implementação imediata, mas agora temos um processo claro, com a Visão de Belém até Addis Abeba [na COP32], que abre dois anos para aprimorar tecnicamente os indicadores, alinhar políticas e fortalecer sua operacionalização”, disse Daniel Porcel, do Instituto Talanoa.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, o pacote é histórico. “Como ‘COP da Adaptação’, Belém finalmente entregou um conjunto de decisões sem precedentes. A adoção dos indicadores da GGA é progresso real. Pela primeira vez, mediremos ação climática não apenas em toneladas de carbono evitadas, mas em vidas protegidas e infraestrutura capaz de resistir ao que está por vir.”
O preâmbulo do texto final traz ainda um reconhecimento inédito da importância das comunidades afrodescendentes, dos territórios indígenas e de questões de gênero no enfrentamento da crise climática.
“Nossa maior força está no poder das pessoas. Nenhum outro acordo da COP enfatizou os direitos humanos com tanta força quanto este”, disse Santiago, da Oxfam Brasil. “Indígenas, comunidades quilombolas, defensoras dos direitos das mulheres e a sociedade civil no Brasil e no mundo seguem exigindo justiça climática — e continuaremos pressionando governos, a indústria fóssil e os super-ricos até que ela se torne realidade.”