Os próximos três a seis meses serão fundamentais para sentir os impactos da guerra tarifária aberta pelo governo de Donald Trump sobre a demanda de petróleo e derivados no mundo, estimam analistas do setor. Desde que Trump anunciou o “tarifaço” no começo de abril, acentuaram-se os receios com uma desaceleração da economia mundial e com a redução nos fluxos de comércio globais. Se esse cenário se confirmar, poderá significar menos consumo de diesel e de gasolina – dois dos principais derivados da indústria de petróleo.
Nesta terça-feira (29), os contratos futuros de petróleo fecharam em forte queda como resultado da perspectiva de uma demanda menor que poderá advir da guerra comercial. No fechamento de ontem, o barril tipo Brent (referência internacional) caiu 2,44%, situando-se a US$ 64,25 na Intercontinental Exchange (ICE).
O atual cenário de incertezas faz os especialistas serem mais cautelosos nas projeções de preços e há estimativas situando o Brent entre US$ 65 e US$ 70 por barril este ano. O Goldman Sachs reviu a previsão da cotação do petróleo para US$ 66 por barril no fim de 2025, redução de US$ 5 por barril em relação à estimativa anterior.
Felipe Perez, analista da S&P Global, diz que a relação entre oferta e demanda mais os estoques são, desde sempre, os fundamentos do mercado que vão ditar os preços das commodities. É o caso do petróleo.
Até o momento, diz, não há sinais claros de que a demanda por gasolina esteja em queda. Há, por outro lado, alguma indicação de que isso pode estar começando a ocorrer no diesel. A boa notícia é que há espaço para recomposição de estoques terrestres, excetuando-se a China, o que ajuda a manter a demanda global.
Na semana que vem está prevista uma reunião da Opep+, na qual o mercado espera um aumento na oferta de mais de 400 mil barris por dia, o que tende a ter efeito sobre os preços. Existe ainda a possibilidade de o cartel decidir por outro aumento em junho.
As decisões da Opep+ são tomadas também olhando para questões internas, de equilíbrio entre os países do grupo, entre quem precisa aumentar ou cortar produção, mas o fato é que o “timing” do último anúncio do cartel foi pouco apropriado, ajudando a jogar ainda mais lenha na fogueira da complicada conjuntura econômica internacional.
Em 3 de abril, um dia depois do “tarifaço” de Trump, a Opep+ tomou a decisão de aumentar a produção da commodity a partir de maio deste ano em volume maior do que o previsto. A medida surpreendeu o mercado, preocupa petroleiras e aumentou as incertezas no cenário global de curto e médio prazos.
O fato é que por trás dos fundamentos de mercado das commodities citados por Perez – oferta, demanda e estoques – há outra camada a ser considerada. Ela envolve o chamado prêmio de risco especulativo, que se vincula justamente a decisões políticas tomadas pela Opep+ e outros produtores como a Rússia, envolvida há três anos em uma guerra na Ucrânia, e a China, o maior consumidor mundial de commodities. Há ainda os Estados Unidos, que se tornaram o maior produtor e exportador de petróleo do mundo a partir do desenvolvimento do “shale gas”, o gás de xisto. Decisões desses países costumam ter reflexos no tabuleiro internacional.
Até o momento, não há sinais claros de que a demanda por gasolina esteja em queda
Em uma análise retrospectiva de mais longo prazo, os movimentos geopolíticos sempre estiverem presentes, mas as decisões costumavam ser tomadas por poucos atores, como o G-8, o grupo de países desenvolvidos. A realidade hoje é muito fragmentada, o que dificulta consensos.
O mundo já passou por muitas crises antes, como os choques de petróleo das décadas de 1970, quando restrições de oferta elevaram os preços do petróleo; ou a crise financeira de 2008, que derrubou os mercados. Agora o mundo vive a perspectiva de mais protecionismo comercial, o que não é bom para ninguém.
Nesse contexto, o Brasil, que é uma economia relativamente fechada, mas não é uma ilha, vai sentir os efeitos da guerra tarifária global, mesmo que estes possam ser menores do que em outras economias. No segmento de petróleo e gás, o país passou por uma abertura que começou em 1998, com a Lei do Petróleo, e continuou nos anos 2000. Mas houve avanços e retrocessos, dependendo da diretriz política do governo que ocupou o poder.
Décio Oddone, presidente da Brava Energia e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), entende que nos últimos 25 anos o país viveu uma grande abertura na exploração e produção de petróleo e gás e aberturas “modestas” nos setores de refino e de gás natural.
A realidade da indústria hoje no país no segmento de exploração e produção, com vários atores internacionais além da Petrobras, é resultado, diz Odonne, de mudanças que foram instituídas há mais de duas décadas, entre as quais: a criação da ANP e a realização de leilões periódicos de áreas pela agência, o que levou a novas descobertas de áreas, como o pré-sal, e a Margem Equatorial, objeto de controvérsia até agora em torno de licenças ambientais para a exploração.
No refino o ritmo não foi igual. No governo de Jair Bolsonaro, houve decisões de vender refinarias, mas o governo Lula, ao tomar posse em 2023, resolveu rever essa decisão. Algo semelhante ocorreu no transporte de gás. “Tudo que aconteceu no Brasil na indústria de petróleo foi fruto de um ciclo de preços altos [da commodity]”, diz Oddone. Ele lembra que, em 1999, o preço do barril era de US$ 9 e depois chegou ao pico de US$ 147 em 2007. Ele afirma que a curto prazo a volatilidade é uma marca desse indústria. Mas a médio e longo prazos há fundamentos que tendem a dar sustentação aos preços.