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sábado, junho 7, 2025

De Humanos a Plantas e Animais, Jennifer Doudna Diz Que a Edição Gênica Vai Mudar o Mundo

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Getty Images

Jennifer Doudna ganhou o Prêmio Nobel de Química pela pela descoberta da ferramenta de edição gênica CRISPR

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Em uma conversa recente com Jennifer Doudna, a ganhadora do Prêmio Nobel de Química em 2020 e pioneira do CRISPR, uma tecnologia de edição gênica precisa e poderosa, descoberta a partir do sistema imunológico natural de bactérias, falou sobre o potencial transformador dessa inovação para a medicina, a agricultura e a sociedade.

O poder do CRISPR não pode ser subestimado. A primeira terapia com a tecnologia, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos responsável pelo controle e supervisão de alimentos e medicamentos, no final de 2023, é capaz de curar efetivamente uma doença que antes era considerada intratável.

“Conversei com a Victoria Gray, a primeira paciente dos EUA a participar de um ensaio clínico com CRISPR para tratar anemia falciforme, e posso afirmar que é algo transformador. Isso muda completamente o rumo da vida deles de uma forma positiva, o que é impressionante”, disse Jennifer.

No início de maio, veio a notícia de um bebê nascido com um raro distúrbio metabólico que se tornou o primeiro paciente do mundo a receber uma terapia personalizada com CRISPR. A medicação foi desenvolvida em apenas seis meses, fruto de uma colaboração que incluiu cientistas do Innovative Genomics Institute, um instituto de pesquisa de ponta, fundado por Jennifer, com sede na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Hoje, o bebê já recebeu com segurança três doses da terapia e, segundo relatos, está se desenvolvendo muito bem.

Apesar disso, a primeira terapia com CRISPR aprovada vem enfrentando um processo de implementação lento. Até o final do ano passado, apenas alguns poucos pacientes haviam recebido o tratamento por causa da complexidade de credenciar os centros para oferecer o medicamento, fabricar e administrar uma terapia personalizada, além de preparar os pacientes, o que envolve submetê-los à quimioterapia. Esses obstáculos fizeram com que alguns analistas passassem a questionar o futuro comercial da tecnologia.

Nicole Craine

Victoria Gray foi a a primeira paciente tratada com a tecnologia de edição gênica desenvolvida por Jennifer

“Será que a edição gênica vai cumprir o que promete?”, dizia uma manchete recente. Para Jennifer, a resposta é sim – desde que certos obstáculos sejam superados. Agora, as boas notícias.

Pesquisas em edição gênica avançando

Equipes de cientistas nos EUA, Europa e China estão progredindo de forma concreta no desenvolvimento de medicamentos genéticos eficazes. Entre os destaques está a Intellia Therapeutics, empresa de biotecnologia sediada em Massachusetts, co-fundada por Jennifer, que está conduzindo um ensaio clínico de fase 3 para doenças hepáticas com uso de CRISPR.

“O que é notável nesse caso é que eles foram os primeiros a demonstrar que é possível fazer uma edição gênica eficaz in vivo com apenas uma injeção de terapia com CRISPR, o que representa um marco real na área”, disse Jennifer. “Vejo isso como um direcionamento importante para o futuro da maioria das terapias com CRISPR daqui para frente.” A edição gênica em in vivo consiste na modificação direta do DNA dentro do corpo do paciente, sem a necessidade de remover células para edição em laboratório.

E, segundo dados divulgados este mês, a CRISPR Therapeutics, empresa de biotecnologia suíço‑americana, demonstrou, em um pequeno ensaio clínico, que sua terapia de edição gênica reduz o colesterol ruim e os triglicerídeos em até 80%.

Tendências para a próxima década

As pesquisas iniciais com CRISPR na medicina começaram focadas em doenças raras, como a anemia falciforme, nas quais uma única mutação genética é responsável por causar a enfermidade – o que torna essas doenças alvos ideais para a edição gênica. Mas diversos grupos estão trabalhando para desenvolver terapias que tratem doenças comuns, como problemas cardíacos, como forma de medicina preventiva.

A maior barreira tecnológica hoje, segundo Jennifer, não está no CRISPR em si, mas sim na forma de entregar as enzimas CRISPR às moléculas e tecidos corretos no paciente – ou no animal ou planta, dependendo da aplicação.

“O que é ótimo é que muitas pessoas já estão atentas a esse problema”, disse Doudna. “Elas percebem que isso é um gargalo para terapias celulares e genéticas, e estão trabalhando nisso. Então, o que vejo agora são muitas ideias inteligentes sendo desenvolvidas, muitos avanços interessantes principalmente em grupos acadêmicos”, acrescenta.

Ela ainda se diz otimista de que, embora os avanços não aconteçam do dia para noite, nos próximos anos, o mundo será capaz de fazer edições genéticas in vivo direcionadas. Mas essa não é a única barreira que precisa ser superada para que o CRISPR atinja seu pleno potencial.

Regulações precisam evoluir

Jennifer espera que doenças raras sejam tratadas de forma agrupada, com o CRISPR sendo usado como uma terapia programável que pode ser adaptada para diferentes mutações. Existem mais de 7 mil doenças genéticas raras que, em sua maioria, afetam crianças e não têm opções de tratamento.

Porém, como se tratam de mercados pequenos, as empresas de biotecnologia e farmacêuticas muitas vezes hesitam em investir no desenvolvimento de terapias.

Uma abordagem baseada em plataformas para levar medicamentos com CRISPR ao mercado poderia reduzir os custos e acelerar o processo – se os órgãos reguladores estiverem dispostos a adotá-la. A equipe de Jennifer, no Innovative Genomics Institute, está se dedicando intensamente a atingir esse objetivo.

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A edição gênica pode transformar o futuro da agricultura e da produção de alimentos

“Espero que, ao trabalharmos com o cenário regulatório para obter a designação de plataforma para o CRISPR – o que permitiria agilizar os testes clínicos –, isso possa ser realmente útil, porque precisamos descobrir como abrir o mercado para esse tipo de terapia”, diz ela.

Recuperando a confiança dos investidores

Hoje, os valores de mercado das empresas de edição gênica estão muito baixos, refletindo a necessidade de reconquistar a confiança dos investidores. Mas, assim que surgir uma grande oportunidade de mercado capaz de atender a um número significativo de pacientes, o sentimento pode mudar.

Jennifer comparou o sentimento atual em relação ao CRISPR a um ciclo comum em inovações da biotecnologia: no início, há muito entusiasmo e o setor é cercado por expectativas. Os investimentos aumentam rapidamente. Depois, a realidade se impõe. A ciência nova é difícil, e as pessoas percebem que vai levar mais tempo do que imaginavam, o que leva a um recuo.

“Acho que é exatamente onde estamos agora com a edição gênica e talvez com terapias celulares de forma geral. Em algum momento, o pêndulo vai voltar”, disse Jennifer. “A questão é quando”.

Um ciclo semelhante também ocorreu com o desenvolvimento de outra tecnologia emergente, o RNAi, processo biológico natural em que moléculas de RNA “silenciam” ou desligam genes específicos. A principal empresa da área, a Alnylam, empresa biofarmacêutica americana, acabou desenvolvendo um pipeline robusto e um medicamento de sucesso para uma doença cardíaca grave.

Jennifer acredita que o primeiro grande sucesso comercial com CRISPR pode vir de uma terapia in vivo com células T, um tipo de glóbulo branco fundamental para o sistema imunológico adaptativo. Diversas equipes estão trabalhando nessa frente com o objetivo de desenvolver tratamentos para câncer e doenças autoimunes.

“Acredito que isso vai acontecer”, disse ela. “A questão é quando, porque os dados são excelentes”, completa. Nem todas as empresas terão sucesso, mas algumas sim. E quando isso acontecer, estaremos diante de um mercado bilionário”.

Edição gênica na agricultura

A medicina humana não é o único campo onde a edição gênica será transformadora. Jennifer está otimista com o uso do CRISPR na agricultura, setor em que, segundo ela, terá o maior impacto global da tecnologia no curto prazo.

No Innovative Genomics Institute, a equipe de Jennifer está trabalhando na edição do metabolismo de vacas para reduzir a emissão de metano. É um projeto que também pode beneficiar os produtores, aumentando a produção de leite e carne. O grupo também trabalha para tornar o arroz menos dependente de água, algo crucial em regiões que enfrentam escassez hídrica.

“Estamos apenas no início de um período que será incrivelmente empolgante nos próximos cinco a dez anos na agricultura, em que profissionais de biotecnologia poderão usar o CRISPR para fazer cinco ou dez modificações de uma vez em plantas”, diz ela.

É essencial destacar que uma planta editada geneticamente não é um organismo geneticamente modificado (OGM). Os OGMs envolvem a inserção do material genético de uma espécie em outra para conferir uma característica vantajosa. Já uma planta editada geneticamente passa por alterações muito precisas em seu próprio genoma para adquirir uma vantagem – sem a inserção de material genético externo.

Essas mudanças, em teoria, poderiam ocorrer com cruzamentos tradicionais, mas levariam décadas. Por isso, o Departamento de Agricultura dos EUA, o USDA, determinou que alterações genéticas em plantas que poderiam ocorrer naturalmente podem ser classificadas como produtos não regulados – diferente dos OGMs.

“Acho que é muito importante, mais uma vez, trabalhar com os órgãos reguladores e garantir que a regulamentação seja realmente baseada na ciência e na segurança. Mas também não se pode proibir coisas que são totalmente seguras e que nos oferecem uma vantagem importante para o futuro”, afirmou Jennifer.

A pesquisa básica é fundamental

A cientista destaca a importância da ciência movida pela curiosidade e das colaborações internacionais para descobertas que possam ser transformadas em produtos comerciais capazes de melhorar a vida das pessoas.

O CRISPR surgiu de uma parceria internacional com a microbiologista francesa e também ganhadora do Nobel, Emmanuelle Charpentier. Outros pesquisadores financiados por governos na Espanha e em outros países da Europa também contribuíram com conhecimentos que, juntos, culminaram no desenvolvimento do CRISPR.

“As pessoas perguntam: ‘O que vocês estão fazendo para curar o câncer, resolver as doenças cardíacas, curar o Alzheimer?’”, fiz Jennifer. “Projetos com esse tipo de foco são importantes, mas não podem ser feitos isoladamente. A inovação muitas vezes surge a partir do estudo de coisas que, no início, não parecem ter relação com o que você quer resolver, mas no fim você descobre que estavam, sim, conectadas. E essa é exatamente a história do CRISPR”. Esse capítulo está apenas começando.

* Jürgen Eckhardt é colaborador da Forbes EUA e escreve sobre o futuro da medicina e da biotecnologia.



[Fonte Original]

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