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- Author, Alicia Hernández
- Role, BBC News Mundo
Incerteza, raiva, tristeza e impotência.
De acordo com a nova norma, que entrará em vigor a partir do dia 9 de junho, fica restringida a entrada de cidadãos da Cuba e da Venezuela, e proibida a de uma dúzia de outros países, principalmente da África e do Oriente Médio.
Muitos acreditam que, apesar das exceções previstas, as autoridades migratórias podem agir “de forma discriminatória” e impedir a entrada de venezuelanos nos Estados Unidos.
A medida tem gerado dúvidas e uma sensação ainda maior de insegurança para todos os venezuelanos que planejavam viajar para os Estados Unidos, a maioria para reencontrar amigos e familiares, mas também entre aqueles que já vivem no país.
‘Isso nos estigmatiza ainda mais’
“Passamos de um país poderoso à escória. Não somos delinquentes. Essa medida é um golpe duro. É horrível! Nada me surpreende, mas a cada dia que se passa, uma nova linha é ultrapassada”, me disse um amigo venezuelano que abandonou seu país há 8 anos e que não quis se identificar.
“Essa medida me dói na alma. O meu país me dói. Estou arrasada”, me escreveu outra amiga venezuelana que vive na Espanha.

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A Acnur, a agência da ONU para Refugiados, estima que cerca de 7,89 milhões de pessoas emigraram da Venezuela durante a última década, o maior êxodo da história da região, fruto de uma combinação de fatores políticos, econômicos e sociais.
O governo Trump justifica sua decisão alegando que a Venezuela “não tem uma autoridade central competente e cooperativa para a emissão de passaportes ou documentos civis, e não conta com medidas adequadas de seleção e verificação (de solicitantes de vistos)”, além de que “historicamente se recusou a aceitar o retorno de seus cidadãos sujeitos à deportação“.
São muitos os venezuelanos que acreditam que a medida não afeta em nada o presidente venezuelano Nicolás Maduro — com quem os Estados Unidos não mantém relações — e sim prejudica diretamente os cidadãos.
“O governo dos Estados Unidos proibir o ingresso de venezuelanos com vistos legais não é apenas injusto, é profundamente incoerente (…) muitos venezuelanos foram obrigados a emigrar porque seus direitos e liberdades foram tirados pelo regime que esse mesmo governo disse combater. Castigar as vítimas enquanto se condena seus algozes é uma contradição moral”, escreveu a jornalista venezuelana Alejandra Oraá, residente dos Estados Unidos, em sua conta no X.
“Muitas das pessoas afetadas são jovens com bolsas de estudos, famílias que vão visitar seus entes queridos e pessoas que só querem estudar, trabalhar ou conhecer outro país. Causa indignação ver essa narrativa de segurança nacional ser utilizada”, acrescentou.
‘Presa e sem dinheiro’
A venezuelana Caque Armas vive no México há anos e tem nacionalidade mexicana desde 2018. Por se enquadrar em um caso de dupla nacionalidade, pode entrar nos Estados Unidos, pelo menos por enquanto, sem problemas.
Mas isso a afeta de uma forma indireta.
“Meus pais, que vivem na Venezuela, não poderão visitar minha irmã que mora em Miami.”
Conseguir um visto para os Estados Unidos morando na Venezuela não é apenas um grande investimento financeiro, mas também de tempo. Desde março de 2019, o país norte-americano anunciou a suspensão temporária de suas operações em Caraca, além da retirada de seu diplomata.
Por isso, para obter um visto, os venezuelanos precisam se deslocar até outro país.
É o caso de vários familiares de Armas.
“Tenho três tios que moram na Venezuela e que, este ano, gastaram dinheiro e fizeram um verdadeiro malabarismo para ir ao Uruguai tirar o visto para visitar seus familiares nos EUA. Agora estão com um visto caríssimo e inútil”, relata.
Mais do que o custo financeiro, é o emocional que todos com quem converso dizem sentir mais pesado.
Outra tia de Armas conseguiu tirar o visto e ir para Miami visitar a filha e os netos, depois de sete anos sem vê-los. “Agora ela precisa voltar com a sensação de não saber quando poderá vê-los de novo”, acrescenta.

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De Paris, Nagui Correa, que teve o visto aprovado em 2023, me contou como se sentiu ao saber da medida.
“Tem sido horrível. Chorei muito porque me custou muito dinheiro e tempo tirar o visto para poder reencontrar minha família. E agora não serve para nada.”
Correa viu sua sobrinha quando ela tinha 8 anos e só pôde revê-la aos 17. Já o sobrinho, ela só conheceu quando ele tinha 4 anos.
“Meu plano era voltar para uma visita este ano, mas nunca ficar. Quem é afetado por essa medida somos nós, gente como a gente. Já são mais de 25 anos pagando pelas consequências de uma política externa de uma diplomacia fraca, insensível e conivente”, afirma.
Ana (nome fictício) estava prestes a viajar para os EUA da Venezuela para encontrar um grupo de amigos. Ela iria viajar na próxima semana.
“Estou presa em meu próprio país e sem dinheiro”, contou em um grupo de mensagens.
O restante do grupo decidiu não se reunir. “A gente esperava muito por esse reencontro. Mas, agora, não nos reuniremos. Não tem mais clima para fazer esse encontro acontecer”, me explicou por mensagem de voz, Ciro, um dos membros do grupo que está nos Estados Unidos.

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Outra sensação que se repete é a de que, com essa medida, “os justos pagam pelos pecadores”, e de que não importa quem você seja, o que tenha feito, ou o tipo de visto que tenha, ninguém está salvo.
“Meu perfil está muito longe de ser alguém que vai causar prejuízo ao país”, disse Correa, que detalhou seu extenso currículo: engenheira de produção pela Universidade Simón Bolívar, trabalha com desenvolvimento de software há anos, acaba de terminar um curso de francês em Paris e está em processo para fazer um mestrado em Ciência de Dados na Espanha.
“Ninguém pode pensar que está livre dessa medida por ser diferente. Em algum momento, o golpe vai chegar”, disse Ciro, que tem um passaporte americano, mas ressalta: “Lá está escrito que nasci em Caracas, na Venezuela. E nós, que estamos nessa situação, entramos e saímos do país com medo”.
De dentro dos EUA, alguns dizem que estão pensando em não sair, com receio de não conseguirem voltar, mesmo tendo seus vistos em dia. Outros contam que o pior é saber que familiares e amigos não poderão mais visitá-los, pelo menos não em solo americano.
“Dói pensar na quantidade de famílias e vidas que essa medida está prejudicando”, conclui a venezuelana Caque Armas.