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terça-feira, outubro 7, 2025

Crítica | House of Guinness – 1ª Temporada – Plano Crítico

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Steven Knight, talvez mais conhecido por ter criado Peaky Blinders, deve ter um projeto pessoal de revirar e esmiuçar histórias reais ocorridas nas ilhas britânicas entre o final do século XIX e começo do século XX para transformar em séries, elegendo somente inspirar-se de longe em fatos como foi o caso da série protagonizada pelo Tommy Shelby de Cillian Murphy ou escorar-se mais fortemente neles, com aconteceu na recente Mil Golpes. Com House of Guinness, Knight aponta sua criatividade e pesquisa histórica para a família Guinness que, claro, foi responsável pela criação e fabricação da famosa cerveja preta que leva seu nome, o que ocorreu em 1759. No entanto, a série começa pouco mais de um século depois, exatamente em 27 de maio de 1868, dia do cortejo fúnebre e sepultamento de Sir Benjamin Lee Guinness, o patriarca da família que morrera alguns dias antes, o que é o palco perfeito para Knight, daquele seu jeito espalhafatoso, estabelecer todas as premissas de sua mais nova incursão televisiva.

Enquanto o caixão transparente puxado por cavalos se prepara para sair, as tensões em Dublin estão altíssimas, com os fenianos, organização política que almeja a independência da República da Irlanda, e os cristãos organizados por um reverendo, protestando, por suas próprias razões, contra o que a família Guinness representa para eles. Nesse mesmo magistral início, todos os principais “jogadores” são apresentados. Há os irmãos Patrick (Seamus O’Hara) e Ellen Cochrane (Niamh McCormack) que são os organizadores do movimento feniano, com o primeiro sempre apelando para a violência e a segunda, muito mais inteligente, manobrando a política, há o capataz da cervejaria Guinness Sean Rafferty (James Norton) que faz as vezes de voz defensora da família e resolvedor de todo o tipo de problema, há os empregados da cervejaria que se mostram absolutamente fieis a seus patrões a ponto de defender sem medo o cortejo de qualquer ataque e, finalmente, há os quatro herdeiros do falecido: Arthur (Anthony Boyle), o mais velho que não quer nada com os negócios e que é secretamente homossexual; Benjamin (Fionn O’Shea), o segundo filho, que é repleto de vícios, especialmente o alcoolismo; Edward (Louis Partridge), o terceiro filho que, ao contrário de Arthur, deseja mais do que tudo continuar mergulhado nos negócios; e Anne (Emily Fairn), a única filha, já casada e a mais centrada deles, capaz de impor seu comando em relação aos irmãos.

É a passagem de bastão do patriarca para seus filhos que serve, portanto, de gatilho narrativo para que uma sucessão de acontecimentos conectados carreguem a temporada muito fácil e naturalmente adiante, mesmo que muito do que é visto não passa de uma sucessão de clichês típicos de produções do gênero – traições, revelações, chantagens, reviravoltas, casos amorosos improváveis e assim por diante -, mas a mera existência de clichês não é, nem nunca foi um problema em si mesmo, já que o que importa é como eles são efetivamente utilizados na obra sob análise. E é alvissareiro notar que não só Steven Knight está ciente de que sua narrativa depende de tropos clássicos para se manter de pé, como ele redobra esforços para que tudo funcione como uma engrenagem azeitada que é capaz de abrir o leque até mesmo para mostrar e criticar um pouco a chamada Grande Fome de 1845–1849, na Irlanda, que levou milhões à morte e à imigração para os EUA e para lidar com algo raro de se ver no audiovisual, que são os elogios a uma corporação multimilionária, já que a cervejaria Guinness foi famosa também pela atenção que dava a seus empregados com salários mais altos, menos horas de serviço e até aposentadoria vitalícia, além do trabalho de filantropia que beneficiou todo o país.

Mas uma coisa é a corporação e outra bem diferente são seus dirigentes e, enquanto Edward revela-se com um tino ímpar para o negócio, capaz de levá-lo até os Estados Unidos por intermédio do primo bastardo feniano Byron Hedges (Jack Gleeson, o Rei Joffrey Baratheon, de Game of Thrones, com maquiagem e figurino que quase o transforma em um duende, só faltando o pote de ouro) e costurar alianças que permitem que os tentáculos políticos da empresa aumentem consideravelmente, algo que envolve Arthur e sua campanha para substituir o pai no congresso britânico, isso não é feito sem que uma infinidade de atos menos do que ideais aconteçam às escusas, muitos deles graças aos esforços do fidelíssimo Rafferty. Os jogos de poder se fazem presentes tanto dentro quanto fora da família e também entre os irmãos fenianos, mantendo todo o panorama da narrativa consideravelmente instável, especialmente se levarmos em consideração todas as tentativas de se encobrir escândalos e manter as aparências, o que exige a abordagem de candidatas a noivas para os três irmãos Guinness, com direito a listas com características bem específicas para as mulheres.

No entanto, talvez mais do que o normal em outras de suas séries, Steven Knight tenha privilegiado a estética mais do que a substância. Como sempre, ele faz mágica audiovisual com suas grandiosas reconstituições de época, uso de canções anacrônicas para emprestar um ar moderno e um trabalho de câmera que torna tudo muito mais imponente do que deveria ser, como um mestre que sabe fazer do lixo um luxo, transformando ruas enlameadas em verdadeiras passarelas para eventos bombásticos. Mas, aqui, ele vai um ou dois degraus acima, talvez pela variedade de locações que têm ao seu dispor, seja a fábrica, o cais, os bairros modestos e os abastados do centro de Dublin, seja a área rural na miserável Cloonboo ou do outro lado do Atlântico, em Nova York. Há muito o que ver, sem dúvida, e tudo é deslumbrante, entusiasmantes, hipnotizante até, o que faz com que, em termos narrativos, a história acabe ficando em segundo plano muitas vezes, ora repetindo-se, ora esfriando um pouco o tipo de comentário socioeconômico que poderia ser mais explorado. Isso pode ser visto especialmente na questão da homossexualidade de Arthur, que ganha relevo na primeira metade da temporada, mas, depois, convenientemente desaparece, com o mesmo valendo com toda a linha narrativa da insatisfação dos católicos com a Guinness, algo que é quase que esquecido por completo depois do primeiro episódio.

House of Guinness, porém, é puro Steven Knight e uma verdadeira diversão serializada de qualidade que tem a sempre bem-vinda vantagem de nos contar uma história muito pouco conhecida baseada em eventos reais que atiçam a curiosidade de qualquer um, gostando ou não de cerveja. E, considerando o final em um cliffhanger maroto, do tipo que acaba no meio de uma cena, fica a esperança de que ela seja renovada para pelo menos mais uma temporada.

Obs: Muito engraçado que um dos chamarizes do Netflix para a série seja indicar que há disponibilidade de legendas em irlandês(!!!). Claro que eu testei e minha reação é: que língua desgraçada!!!

House of Guinness – 1ª Temporada (Reino Unido/Irlanda, 25 de setembro de 2025)
Desenvolvimento: Steven Knight
Direção: Tom Shankland, Mounia Akl
Roteiro: Steven Knight
Elenco: Anthony Boyle, Louis Partridge, Emily Fairn, Fionn O’Shea, James Norton, Jack Gleeson, Niamh McCormack, Seamus O’Hara, David Wilmot, Michael Colgan, Dervla Kirwan, Michael McElhatton, Danielle Galligan, Jessica Reynolds, Ann Skelly, Hilda Fay, Cúán Hosty-Blaney, Elizabeth Dulau
Duração: 410 min. (oito episódios)



[Fonte Original]

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