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- Author, Mariana Alvim
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciou na tarde desta quinta-feira (09/10) sua aposentadoria antecipada — ele teria cargo garantido até os 75 anos, ou seja, até 2033.
Barroso afirmou, durante sessão do STF, ter optado pela saída da Corte por motivos pessoais.
“Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos, mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais da vida que me resta sem a exposição pública, as obrigações e as exigências do cargo. Com mais espiriualidade, literatura e poesia”, disse, emocionado.
Barroso foi ministro do STF por mais de 12 anos e recentemente deixou a presidência da Corte, que comandou entre setembro de 2023 e setembro de 2025.
Em entrevista coletiva após o anúncio, Barroso disse acreditar que Lula já “suspeitava” de sua saída e que o presidente terá “mulheres competentes” e “homens competentes” para indicar.
“O presidente Lula, digamos assim, ele suspeitava. Porque eu estive com ele no sábado, no show da Maria Bethânia, e eu disse que precisava falar com ele um assunto importante. E ele já intuiria o que era.”
“Tínhamos marcado uma audiência para ontem, mas [com] as questões políticas e as circunstâncias, o presidente precisou adiar, de modo que eu não consegui falar diretamente com ele.”
“Eu achei que cumpri o meu papel e que era a vez de ceder lugar para outra pessoa que entrasse, para fazer uma carreira. Eu, para falar a verdade, desde a Constituinte, sempre defendi o modelo alemão, que é um mandato de 12 anos, que foi o tempo que eu fiquei aqui, mas não prevaleceu.”
O ministro do STF mencionou primeiro “mulheres competentes” como possíveis candidatas à sua vaga.
Perguntado por jornalistas se ele preferiria que uma mulher fosse indicada, ele sinalizou que sim.
“Existem muitas mulheres boas. Eu filosoficamente acho, sem fazer uma escolha pontual para essa vaga — que é uma competência do presidente —, mas eu sou um defensor de mais mulheres nos tribunais superiores como uma regra geral. A resposta é sim”, respondeu.
Barroso afirmou que não pretende voltar a exercer a advocacia e nem eventualmente assumir uma embaixada por nomeação de Lula — algo que já foi especulado, mas que o magistrado já havia negado anteriormente.
Ele afirmou não ter muitos planos profissionais, mas sim alguns projetos acadêmicos nos próximos meses em universidades do exterior, como na prestigiada Sorbonne, na França, onde dará um curso como professor visitante.
Indicou também que gostaria ser um “intelectual público, alguém que olha o país e pensa coisas sem cargo, sem deveres”.
Barroso era advogado constitucionalista e procurador do Estado do Rio de Janeiro quando até ser nomeado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para a vaga do ministro Ayres Britto, que se aposentou. Ele assumiu o cargo de ministro do STF em 2013.
Em entrevista recente à colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo, o ministro já havia indicado incômodos pessoais relacionados ao cargo.
“Às vezes tenho a sensação de já ter cumprido o meu ciclo [no STF]. Às vezes penso que ainda poderia fazer mais coisas” disse na entrevista, publicada no final de setembro.
“Sair ou não do STF, hoje, tem mais a ver com a exposição pública pessoal, sobretudo dos meus filhos e das pessoas com quem me relaciono. Minha mulher sofria imensamente. A AGU [Advocacia-Geral da União] pagou honorários, como manda a lei, a mais de mil advogados da União. Mas a notícia é que a namorada do Barroso recebeu R$ 300 mil. Tudo isso chateia.”

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Em 8 de janeiro de 2023, em meio à invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, uma mulher, Débora Rodrigues dos Santos, pichou a estátua que representa a Justiça com uma frase dita por Barroso: “Perdeu, mané”.
O ministro do STF proferiu ao frase em novembro de 2022, após a vitória de Lula nas eleições presidenciais contra Bolsonaro. Na ocasião, Barroso reagiu a um manifestante que o seguia pelas ruas de Nova York e questionava sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas brasileiras.
“Perdeu, mané, não amola”, disse o ministro.
A frase se tornaria mais uma lenha na fogueira de insatisfações e ataques de apoiadores de Bolsonaro contra o STF.
Em julho de 2023, Barroso fez críticas diretas ao bolsonarismo e reagiu a vaias que recebeu de um grupo ligado a profissionais de enfermagem durante discurso em um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
“Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”, afirmou o magistrado no episódio.
Depois, o ministro publicou uma nota explicando a afirmação. Ele argumentou que se referia ao “extremismo golpista e violento que se manifestou no 8 de janeiro e que corresponde a uma minoria”.
“Jamais pretendi ofender os 58 milhões de eleitores do ex-presidente nem criticar uma visão de mundo conservadora e democrática, que é perfeitamente legítima”, disse, em nota.
Na entrevista recente à jornalista Mônica Bergamo, Barroso afirmou que chegou a ter uma relação “cordial” com Bolsonaro no início do governo deste.
“Mas quando me opus, como era meu dever, à volta do voto impresso, ouvi dele diversas grosserias”, relatou o ministro do STF.
“O poder de julgar é do Supremo. A anistia é competência política do Congresso. São papéis diferentes. Mas é inaceitável cogitar uma anistia antes, durante ou imediatamente após o julgamento”, afirmou.
Entretanto, o magistrado se demonstrou aberto à discussão sobre a redução de penas para pessoas condenadas pelos atos de 8 de janeiro.
“Essa discussão surgiu muito antes do julgamento do presidente Bolsonaro. Começou quando houve a percepção de que as penas dos réus do 8/1 ficaram muito elevadas”, argumentou.
“Houve um debate sobre o acúmulo de penas de golpe de Estado com o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Eu já tinha votado no sentido de que um crime maior, o de golpe, absorve o crime menor. Com isso, os bagrinhos, que não eram os mentores, os financiadores, poderiam sair [da prisão] depois de dois anos e meio, mais ou menos. Tenho simpatia pela ideia.”
Voto que contribuiu para prisão de Lula
Na entrevista, Barroso também teceu elogios ao presidente Lula, afirmando que seus governos, “objetivamente”, tiveram os “melhores indicadores” socieconômicos.
O magistrado também falou sobre a personalidade do petista.
“Ele tem a capacidade de seduzir as pessoas. Podemos ter divergências de política internacional e econômica. Mas tenho admiração e apreço pelo presidente”, disse.
De acordo com Barroso, o fato dele ter votado em 2018 contra um habeas corpus para Lula é hoje compreendido pelo presidente.
“Algum grau de afinidade entre o presidente e a pessoa nomeada a meu ver não oferece nenhum risco ético nem risco democrático”, afirmou.
Decisões e episódios marcantes

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Em sua argumentação, além de apresentar fundamentos jurídicos, o ministro defendeu que a repressão ao uso de pessoal maconha seria ineficiente e contribuiria para o aumento da população carcerária.
A Corte estabeleceu que, até que o Congresso aprove uma lei sobre o tema, o parâmetro para diferenciar uso pessoal de tráfico será a quantidade de 40 gramas de cannabis sativa ou a posse de seis plantas fêmeas.
“Na falta de critério, a mesma quantidade de drogas nos bairros mais elegantes das cidades brasileiras é tratada como consumo e, na periferia, é tratada como tráfico. O que nós queremos é acabar com essa discriminação entre ricos e pobres, basicamente entre brancos e negros”, disse Barroso.
Em 2016, Barroso foi contrário à criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação em um julgamento da Primeira Turma do STF de 2016 que determinou a soltura de funcionários e médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias (RJ), presos preventivamente.
Entretanto, enquanto presidente do STF, o ministro não pautou uma ação sobre a descriminalização do aborto até as 12 semanas de gravidez, a ADPF 442, que chegou a ter seu julgamento iniciado.
Em 2023, ele afirmou considerar que o debate público não estava “fortalecido” a ponto do tema voltar a ser analisado.
Nesta quinta, Barroso voltou a falar sobre o assunto.
“Ninguém é a favor do aborto. Aborto é uma coisa que deve ser evitada, e o papel do Estado deve ser evitar que ele aconteça dando educação sexual; distribuindo, quando seja o caso, contraceptivos; e amparando a mulher que queira ter o filho e esteja em situação adversa”, disse a jornalistas.
“No entanto, é possível ser contra, é possível não fazer, é possível pregar contra — e tudo isso é diferente de achar que a mulher que passou por esse infortúnio deva ir presa.”
No dia que anunciou sua aposentadoria, Barroso falou indiretamente de outro episódio que marcou sua trajetória, um embate em Plenário com o ministro Gilmar Mendes.
Em 2018, reagindo a críticas de Mendes sobre supostas decisões incorretas suas, Barroso chegou a dizer ao colega: “Você é uma pessoa horrível, uma mistura de mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.
Nesta quinta, em sua despedida, Barroso se dirigiu a Gilmar Mendes.
“A vida nos afastou e nos aproximou. Fico feliz que tenha sido assim e sou grato por sua parceria valiosa ao longo da minha gestão e por sua defesa firme do tribunal nos momentos difíceis.”
Para Álvaro Jorge, professor da FGV Direito Rio, o Brasil teve “muita sorte de ter um juiz do quilate do ministro Barroso na Suprema Corte”.
O professor elogia iniciativas de Barroso para melhorar a comunicação entre o STF e a sociedade — por exemplo, liderando esforços para que o Judiciário utilizasse uma linguagem mais simples e para que resumos para a imprensa fossem produzidos.
“Ele teve um legado jurisprudencial gigantesco, diversas decisões importantes foram tomadas na sua gestão: plataformas digitais, o porte de maconha, o estado de coisa inconstitucional no sistema prisional, a questão da letalidade policial no Rio de Janeiro, gratuidade de transporte nas eleições…”, enumera.
Jorge cita também iniciativas de Barroso para aumentar a diversidade do Judiciário.
À frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Barroso criou em 2024 um programa de bolsas preparatórias para o ingresso na magistratura para negros e indígenas.
Além disso, em sua gestão no CNJ, foi criado o Exame Nacional da Magistratura — entre outros objetivos, para evitar favorecimentos a nível local e para uniformizar o nível de conhecimento dos futuros juízes brasileiros.
Como será escolhido sucessor de Barroso
No Brasil, o STF é composto por11 ministros.
Um integrante da Corte deve ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos e menos de 75, além “de notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.
Os ministros do STF são nomeados pelo presidente da República. E não há mandatos: os ministros devem deixar o cargo quando completam 75 anos.
Não há prazo definido para o presidente fazer esta escolha.
A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, levou quase um ano para indicar Edson Fachin, em 2015, para a vaga deixada por Joaquim Barbosa.
Após a indicação, o nome tem que de ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.